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Estudos recentes dão conta de jovens adultos a explorarem profissões, ocupações, a continuarem a universidade sem se comprometerem com decisões definitivas, sem se verem a si mesmos como pessoas adultas.
Adolescência, uma idade da vida humana reconhecida recentemente em termos históricos... A Esfinge perguntou a Édipo: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois e à tarde tem três?” Infância, idade adulta e velhice, portanto. As coisas passavam-se, em muitas sociedades, num registo de tudo ou nada. Não se era adulto e através de um ritual de passagem adquiria-se esse estatuto. Nas sociedades modernas, a escolaridade, o conhecimento das mudanças corporais inerentes ao desenvolvimento humano, tornaram necessário reconhecer a adolescência com todas as suas especificidades. Chegamos então a um aspeto importante para o que nos traz aqui: a questão dos limites cronológicos. Diversos autores têm vindo a prolongar esses limites para além dos vinte anos. Elenquemos duas grandes ordens de argumentos: o primeiro, na esfera do biológico – por exemplo, o cérebro continua a crescer e a desenvolver-se já depois dessa idade; o segundo, no interior da complexa dimensão psicossocial. Atentemos então a esta segunda ordem de argumentos. Recentes estudos dão conta de jovens adultos a explorarem profissões, ocupações, a continuarem a universidade sem se comprometerem com decisões definitivas, sem se verem a si mesmos como pessoas adultas. Aqui não resisto a contar um episódio pessoal. Certa vez fui dar uma formação a um mestrado e a certo momento levantou-se a questão: “quem aqui se considera adulto?” Ninguém se considerava assim e o principal argumento passava pela dependência económica. Fluidez de papéis, decisões não definitivas, recusa (ou adiamento?) em incorporar essas experiências na identidade pessoal. Mais uma perceção pessoal: na clínica passam muitas pessoas em sofrimento afetivo, por não saberem definir a relação afetiva em que se encontram envolvidos: namoro? estar junto? que nome utilizar? E quais os sentimentos e emoções que serão legítimos em cada situação: ciúme, relação aberta, fidelidade sem nome de namoro...
Avancemos um pouco mais na exposição: Richard Sennett falava em corrosão de carácter como condição do homem contemporâneo. Elencava diversas histórias pessoais e familiares em que os papéis sociais não se fixavam. Por sua vez, Zygmunt Bauman, para não citarmos mais autores, falava em amor líquido, onde os afetos não se comprometem e de pronto se evanescem. Chegamos então à hipótese que organizou este texto: e se toda a sociedade se está a estruturar numa matriz adolescente? Aos indícios acabados de enumerar juntemos um outro: a linguagem publicitária. O reclame a bebidas alcoólicas que pisca o olho à boémia, ao descontrole, ao mesmo tempo que, em letras minúsculas, faz referência ao consumo responsável; a compra do automóvel, cheia de facilidades e promessas de felicidade, que de seguida tem, novamente em letras impercetíveis, todas as reservas e responsabilidade legais que tal compra e empréstimo trazem consigo. Mensagens com duplo sentido, paradoxais e até perversas: que impacto terá esta forma de comunicar em todos nós recetores? Limites fluídos e contraditórios... Configuração de espaços ambíguos e não estruturantes da personalidade. Questões sociais, mas também questões centrais em termos desenvolvimentais na adolescência. Será que estas mudanças sociais poderão também explicar as mudanças do adoecer mental que abordámos no último texto?
Rui Tinoco
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