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O Brexit e o oportunismo silencioso

Pressupondo uma evolução política, económica, cultural, tecnológica, social e académica, a integração diferenciada dos sistemas europeus de Ensino Superior tem vindo a contar com a conivência dos Estados-membros.

Um dos principais desafios levantados pelo Brexit, cujas consequências ainda são amplamente desconhecidas, é que ele coloca no centro a questão da (des)integração europeia. Enquanto precedente, pode pôr em risco o projeto político europeu de integração diferenciada, seja designada por Europa à la carte, Europa a duas velocidades, Europa de Geometria Variável, ou Cooperação Flexível.
De forma geral, o processo de integração tem tido uma evolução tortuosa e sido marcado pela supremacia dos interesses nacionais em detrimento dos comuns interesses europeus. Podemos ver hoje que no domínio do Ensino Superior a integração diferenciada não propiciou uma maior integração, nomeadamente na construção da Área Europeia de Ensino Superior.
Pressupondo uma evolução política, económica, cultural, tecnológica, social e académica, a integração diferenciada dos sistemas europeus de Ensino Superior tem vindo a contar com a conivência dos Estados-membros. Estes têm buscado na integração diferenciada a legitimação e a justificação dos seus interesses próprios, mantendo e aprofundando, assim, assimetrias e ‘diferenças’ entre os sistemas nacionais de ensino superior.
A questão é que esta conivência com a integração diferenciada alimenta a ideia de que não há consenso a outras alternativas de integração. Neste contexto, emerge um forte pragmatismo visível na construção do problema e das eventuais soluções. Torna-se, portanto, urgente perscrutar as vozes que abalam a ilusão da unidade política da Europa a propósito do Brexit: apreender o dito, deduzir o não-dito e conjeturar o não-pensado. Por esta via, é possível identificar algumas das possíveis consequências e perspetivar alguns dos possíveis impactes numa União Europeia expectante e atónita.

O dito sobre o Brexit. O desenvolvimento da perspetiva pragmática é presente no que é dito sobre o Brexit que se esgotando, frequentemente, na assunção de que a questão central reside no contributo do setor do Ensino Superior para a economia do Reino Unido, medido em termos de percentagem do PIB e de empregos, e das perdas de acesso ao recrutamento de talentos e aos programas de investigação financiados pela União Europeia. Sem esquecer que o Reino Unido, depois da Alemanha, recebe o segundo maior montante para a investigação.

O não dito sobre o Brexit resulta também do referido pragmatismo. Se, por um lado, o valor da cooperação no Ensino Superior é assumido pelos sistemas dos 27 Estados-membros como algo que deve prevalecer para além das possíveis consequências do Brexit, a expectativa dos sistemas de Ensino Superior da Alemanha ou da França reflete um pragmático ‘oportunismo silencioso’. Este resulta da esperança de obtenção de vantagens da saída do Reino Unido da União Europeia. A ideia de que os investigadores alemães poderão assumir uma posição de liderança no futuro da investigação europeia ou de que as universidades francesas atrairão um crescente número de estudantes e investigadores do mundo anglo-saxónico, é algo que começa a transpirar nos desenvolvimentos políticos mais recentes.

O não pensado sobre o Brexit abre a porta a uma multiplicidade de formas de considerar, refletir e conduzir os processos de integração na Área Europeia de Ensino Superior. As perspetivas sobre o Brexit enfatizam pragmaticamente a importância que a saída do Reino Unido tem para a economia e secundarizam a importância dos seus vetores políticos, culturais, sociais e académicos. A importância do (dis)senso na construção europeia é esbatida, para não falar já da sua importância na construção do conhecimento, cuja vitalidade é contingente à pluralidade dos contextos nacionais, institucionais e das áreas científicas em que se desenvolve.
A perda de uma visão eurocética tantas vezes espelhada em posições vindas do Reino Unido remete-nos para o não pensado da Área Europeia de Ensino Superior. As perspetivas veiculadas pelos eurocéticos, ao questionarem as crenças em relação à ideia de uma Europa “inteira”, constituem uma parte necessária ao desenvolvimento das políticas que visem precisamente esse objetivo. Para eles, a Europa não se configura como o Santo Graal, mas o seu contributo para manter a descrença numa Europa “inteira” é crucial para o avanço do projeto político de uma Europa unida em torno da sua diversidade e capaz de integrar as suas ‘diferenças’.

Amélia Veiga


  
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