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Eleições nos Estados Unidos e no Brasil atestaram o poder hegemónico das redes sociais, onde uma informação intensa e persuasiva pode escapar ao exercício do contraditório, manipular opiniões e formatar representações de pessoas tornadas indefesas.
Num mundo que é cada vez mais complexo e concorrencial em todas as frentes, choca-me que, com demasiada frequência, os nossos jovens, como também um número significativo de adultos, pura e simplesmente recusem a leitura sempre que esta é mais extensa ou exigente. Por outro lado, cada vez mais, as mensagens escritas têm de ser curtas para serem objeto de atenção. Inclusive em entrevistas, exige-se ao entrevistado, também com frequência, que seja sucinto e que sobretudo esclareça a sua opinião em termos de sim ou não. Quando muito, em função de propostas com que se pretende resumir rapidamente tudo o que esteja em debate, mesmo que se trate de matérias que envolvam pressupostos não dicotómicos ou conclusões que sejam ambíguas ou impossíveis. Com o mesmo sentido, em diversos formulários ou artigos, a pressão para se reduzir ao máximo o número de carateres é normalmente forte, mesmo que assim se deturpe a subtileza das informações ou ideias em causa. Sabemos bem que contemporaneamente o tempo é escasso e até valioso. A atenção desvia-se quando as palavras são demoradas e as frases longas, sejam escritas ou faladas. Os políticos sabem-no, e disso têm igualmente consciência os professores. Os discursos compridos não atraem multidões; nas aulas, as aprendizagens têm de ser rápidas. Mesmo nas igrejas, apenas algumas usufruem do direito aos sermões longos, embora tendo de ser, para isso, repetitivos e recorrentes para passarem as suas mensagens. Temos de concordar que as redundâncias, as adjetivações gongóricas e a dispersão devem ser evitadas. Temos de ter em atenção os interesses, as idades e as prioridades de vida dos nossos interlocutores. Mas, quando destinatários de uma mensagem, seja ela qual for, não podemos, por princípio, rejeitá-la em função do seu tamanho ou da sua dificuldade.
Estes comportamentos aprendem-se, sendo que a escola enfrenta a concorrência dos media, onde os indicadores de audiência são fundamentais. Ao mesmo tempo, sabemos que o esforço e a curiosidade também se educam. Sabemos, igualmente, que na nossa história recente, os níveis de analfabetismo elevados ditavam uma incapacidade generalizada para ler e escrever, a que, porém, obstava, em bastantes casos, a arte de contar e escutar histórias tão mais interessantes quanto prolongadas. O que atualmente questiono é algo de diferente: trata-se, desde logo, da motivação dos alunos, exigindo-se-lhes níveis de atenção reduzidos mesmo quando já adolescentes ou adultos. Trata-se da utilização massiva de telemóveis e tablets. O seu uso, por exemplo, em sala de aula deve ser bem ponderado, sabendo-se que podem tornar-se um instrumento pedagogicamente eficaz ao facilitar as consultas, havendo assim um saudável e natural acolhimento da sua existência e potencial; importa, todavia, não os tornar os únicos recursos para fomento das aprendizagens, de modo a evitar-se o reforço da dimensão patológica da sua utilização. Para um povo saído de uma tradição de analfabetismo historicamente recente não será difícil, com a democratização (com a demografização?) do ensino, deter atualmente a geração mais bem formada de sempre. Contudo, este ‘mais’ não significa que, sem ‘mais’, se trate de uma geração bem formada se for moldada pela aversão atávica aos livros grandes, aos discursos elaborados e a tudo o que for complexo. Podemos sempre simplificar, mas não ser simplistas ou cansarmo-nos sem desistir. A ciência, a filosofia, a arte e a literatura continuam a evoluir, correndo-se o risco de o seu cultivo persistir apenas como o património de alguns, daqueles que, finalmente, têm o privilégio de usufruir de uma cultura da exigência.
Estudos recentes demonstram que retemos melhor as mensagens extensas e mais difíceis se lidas em papel. O que acontecerá aos jovens que as rejeitam neste suporte? Trata-se de uma questão geracional ou fundamentalmente de uma cedência perante o poder alienante do ritmo das mensagens e da sua aparente manipulação pelo leitor? A verdade é que não apenas os livros são secundarizados, são-no também os jornais e até a televisão, desde que não se limite às emissões de jogos de futebol e aos intermináveis debates que os precedem e lhes sucedem. Assistimos ao modo como decorreram as eleições, por exemplo, nos Estados Unidos e no Brasil; eleições que atestaram o poder hegemónico das redes sociais pelas quais uma informação intensa e persuasiva pode escapar ao exercício do contraditório, manipular opiniões e formatar representações de pessoas tornadas indefesas. Em Portugal, há já alguns sinais preocupantes... Novas iliteracias? Sim. Não terá chegado o momento de reinventarmos uma educação autenticamente contemporânea para a democracia?
Adalberto Dias de Carvalho
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