|
Preconceitos revelados em olhares, gestos, palavras, se repetem cotidianamente, com muita naturalidade e crueldade. Dizer piadas que desqualificam negros, indígenas, ciganos, pessoas com deficiências, meninas, mulheres, é comportamento frequente em diferentes instâncias da sociedade. Até mesmo em estabelecimentos de ensino.
É possível que quem costume ler o que escrevo se pergunte: de novo? não tem ela outro assunto?! Asseguro-lhes que quisera mudar de assunto, mas as persistentes manifestações racistas, homofóbicas, também depreciativas de pessoas empobrecidas, assim como de deficientes, não me deixam calar. Asseguro-lhes que na condição de mulher negra, militante do Movimento Negro Brasileiro, professora que fui de adolescentes e jovens, não consigo mudar de assunto enquanto o racismo e toda sorte de discriminações continuar perturbando, destruindo projetos, quando não ceifando vidas. Como tenho afirmado insistentemente, combater o racismo não é um projeto pessoal, tampouco restrito a afrodescendentes e africanos, a povos originários das Américas, os indígenas, a aborígenes. Quando lutamos por reconhecimento e respeito devidos a cada pessoa, pelo direito de todos viverem e se comunicarem de acordo com sua raiz étnico-racial predominante, é porque entendemos ser obrigação da sociedade, na diversidade de sua composição, combater o racismo, bem como toda sorte de discriminações. Dizendo de outra maneira, não cabe, unicamente a grupos e pessoas discriminados e a seus aliados, denunciar discriminações e decorrentes sofrimentos, propor meios para superá-los. Combater o racismo e toda sorte de discriminações, precisa, urgentemente, constituir um projeto prioritário da sociedade. Insisto, não bastam unicamente atitudes e orientações de famílias, iniciativas de comunidades, de entidades de movimentos sociais, ou de um ou outro docente.
Políticas públicas curriculares, como as estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação no Brasil, são fundamentais para garantia de direitos e combate ao racismo e a discriminações, no entanto sem metas incluídas, periodicamente avaliadas, no planejamento pedagógico dos estabelecimentos de ensino, nos planos curriculares e decorrentes atividades de ensino de cada professor, muito pouco se alcançará. A educação das relações étnico-raciais, enquanto processos educativos escolares, foi sendo concebida e posta em prática, ao longo do século XX, principalmente por professoras e professores negros. Muitas dessas experiências não ultrapassaram as portas de salas de aula, até passarem a ser valorizadas por estudos e pesquisas. Enquanto ideologia, a educação das relações étnico-raciais, no Brasil, se constrói em discursos do Movimento Social Negro, que tendo em conta as mencionadas experiências pedagógicas, desenvolve discurso que busca aliar princípios de militância antirracista com princípios pedagógicos de valorização da história e cultura de pessoas e povos africanos e afrodescendentes. Enquanto corpo teórico, a educação das relações étnico-raciais resulta de pesquisas empenhadas em compreender, avaliar processos educativos decorrentes de militância antirracista e de práticas pedagógicas escolares, universitárias.
Repetidos e renovados atos de racismo, do século XVI a nossos dias, obrigam a reconhecer, entre os brasileiros e brasileiras, incapacidade, ou falta de vontade de respeitar ideias, compreender, a partir da história própria de cada grupo social, jeitos distintos de construir cidadania, de estabelecer relações sociais, de projetar a sociedade em que vivem. Há que se admitir que repetidas e renovadas relações de opressão, forjadas com base em preconceitos, têm criado, reforçado barreiras que impossibilitam estabelecer, negociar propósitos, metas, formas de ação, projetar resultados que a todos beneficie. Preconceitos revelados em olhares, gestos, palavras, se repetem cotidianamente, com muita naturalidade e crueldade. Dizer piadas que desqualificam negros, indígenas, ciganos, pessoas com deficiências, meninas, mulheres, é comportamento frequente em diferentes instâncias da sociedade. Até mesmo em estabelecimentos de ensino, da educação infantil às universidades, se admitem, quando não se cultivam, com espontaneidade, preconceitos, discriminações negativas. Vê-se, em sofrimentos que gestos, olhares, palavras depreciativas, discriminações sexistas, racistas provocam motivos para piadas, desqualificações. Diante deste quadro que se repete, embora denunciado insistentemente, pergunta-se: quem está negligenciando a responsabilidade de construir relações respeitosas e de colaboração entre pessoas e grupos sociais? que barreiras, há de se demover, superar, a fim de construir engajamento de pais, professores, todas as pessoas, independentemente de faixa etária, posição social e política, para combater racismos e discriminações?
Petronilha Gonçalves e Silva
|