Página  >  Opinião  >  Da imprescindibilidade da ética na educação

Da imprescindibilidade da ética na educação

O professor é um dos principais motores da mudança. É um agente educativo e, porque é um agente educativo, tem um poder – o poder de educar. É bom que, enquanto professores, não nos esqueçamos disso.

1. A docência tem, por inerência às respetivas funções da profissão, uma natureza ética. Levada a cabo através da relação com o outro, e sobretudo com o outro cuja educabilidade/plasticidade é ainda expressiva, e mais ainda quando menor de idade, a responsabilidade do professor vê-se numa situação acrescida, devendo por isso ser objeto de regulação e permanentemente consciencializada.
Não obstante os excessos de J.B. Watson e do behaviorismo em que se enquadra, uma vez que o condicionamento é uma evidência científica, há que ter presente estas suas palavras: “Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas e a espécie do mundo que preciso para as educar e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso, prepará-la-ei para se tornar num especialista que eu selecione: um médico, um comerciante, um advogado e, sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos seus talentos, inclinações, tendências, aptidões, assim como da profissão e da raça dos seus antepassados”.
Atentas estas palavras e as consequências que delas potencialmente derivam, que valores devem nortear a conduta docente? Que princípios devem presidir à atuação do professor? Que escola, idealmente justa, urge promover – e como é possível essa escola? O que é, enfim, ser-se professor?
A desvalorização crescente do estatuto desta profissão, designadamente no território nacional, e cujos efeitos vão sendo crescentemente identificados – entre eles o burnout docente e o desinteresse dos mais novos pela profissão –, é um facto cuja defesa, nem sempre assumida, é ingénua dada a sua contraproducência.
Ao subalternizar-se o papel do professor, deixando-o simultaneamente passar horas consecutivas a ensinar aqueles que no futuro próximo decidirão, é ignorar o seu verdadeiro poder. Alguns, porventura, dirão defensivamente que ao professor apenas compete ensinar, mas precisamente aí é ignorado um aspeto essencial: tal como não é possível não comunicar, sendo o ensino um processo de transmissão cultural que, por ser transmissão, é inevitavelmente comunicacional, e por ser cultural é eminentemente educacional, também não é possível ensinar sem educar.
A educação, institucionalizada ou não, não é lugar para o “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”. Na educação, só artificialmente o fazer é dissociável do dizer. A educação é um território por excelência do exemplo, sob pena do fácil diagnóstico pelo aluno da contradição no professor.

2. A ideia de que algures no tempo existiu para a maioria de nós ‘o professor da minha vida’ não é uma mera intuição infundamentada, que muitos cientificamente gostariam de negar, dada a sua não objetividade.
Num dos seus filmes, Clint Eastwood mostrou-nos o perigo dos cientismos subservientes. Em «A Troca», uma criança é raptada e um corpo policial corrupto, dependente ou até mesmo com uma ‘adição’ pela comunicação social, leva à sua mãe uma outra criança, coagindo-a a aceitar esse outro rapaz como o seu filho efetivamente desaparecido.
Desgastada com as investidas da mãe em mostrar a falsidade – e a total imoralidade! – do comportamento da polícia, esta leva-lhe a casa um médico para observar o filho falso que a polícia quer certificar como verdadeiro. O verdadeiro não era circuncidado; o falso era. O verdadeiro era mais alto do que o falso e a medida era objetivamente marcada pela mãe no aro da porta. À falta do filho verdadeiro para que a comparação fosse de facto constatada, o médico negou todas as evidências. E para persuadir a mãe de que o falso era o verdadeiro, de que aquela outra criança era o seu verdadeiro filho, à questão da mãe: E eu não sei ver se é ou não é o meu filho? Sou a mãe!
O médico respondeu: Isso significa que não consegue ser objetiva. Está a olhar através de um prisma de extrema emotividade para um rapaz que está diferente daquilo que recordava. Não é o menino que era antes, tal como um jovem que parte para a guerra deixa de ser o mesmo. E o coração de uma mãe, levado por intuição e sofrimento, observa as mudanças e revolta-se, recusando-se a reconhecer o filho. Isso não altera os factos.
É difícil imaginar-se maior vilania exercida sob a capa de ciência. É praticamente impossível experienciar-se maior impotência do que a vivida por esta mãe. E tudo isto sob o pseudónimo objetividade...

3. A não ser que cada um de nós se assuma velhaco e mau caráter – e assim se terá tornado por efeito do ‘professor da minha vida’ –, somos o que somos porque também algures esse dito ‘professor da minha vida’ foi, não apenas um bom professor, mas também um professor bom. Essa pessoa objetivamente existiu, e a ética, para não termos de negar quem somos, tinha de pautar a sua conduta.
A realidade, porém, parece mostrar-nos que o professor hoje se institucionalizou, se ‘funcionarizou’, tendendo a autocensurar-se pelo que lhe é imposto, não do interior, mas do exterior. A função social sobrepôs-se ao seu autoconceito e a desacreditação de quem se é, é o passo seguinte que tem no burnout um dos seus sintomas.
O professor é um dos principais motores da mudança, por muito que os determinismos da reprodução social o neguem, e com eles outros que querem denegrir a sua imagem. O professor é um agente educativo e, porque é um agente educativo, tem um poder: o poder de educar. É bom que, enquanto professores, não nos esqueçamos disso. Porque não me parece que muitos, entre os outros, disso nos queiram lembrar.

Nuno Fadigas


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo