|
A luta convicta pela liberdade e por um país mais decente e justo é o teu legado, que foste construindo através da militância partidária ou como ativista na luta pela afirmação política e social das mulheres. Para ti, a dignificação da profissão docente, pela qual te bateste sem vacilar, nunca se dissociou da dignificação das escolas como espaços educativos política e culturalmente significativos.
Nunca mais te veremos, ainda que não tenhas desaparecido das nossas vidas. Gente como tu não deixa de existir, precisamente porque deixa a sua marca no mundo. A luta convicta pela liberdade e por um país mais decente e justo é o teu legado, que foste construindo através da militância partidária ou como ativista na luta pela afirmação política e social das mulheres. Uma luta cuja coerência se evidencia, igualmente, quando soubeste associar a tua atividade como sindicalista ao envolvimento comprometido em projetos nas escolas onde lecionaste, para que estas, afinal, se pudessem transformar em espaços mais dignos e relevantes enquanto instrumentos de aprofundamento da democracia e da justiça social. É que, para ti, reivindicar a dignificação da profissão docente, pela qual te bateste sem vacilar, nunca se dissociou de uma outra reivindicação, a da dignificação das escolas como espaços educativos política e culturalmente significativos. Uma posição de coragem e cuja coerência se saúda, sobretudo quando se sabe que nem todos à esquerda entendem, como tu entendias, que a reinvenção das escolas e do trabalho que aí se produz não é resultado da valorização da figura dos professores, mas condição que confere sentido, força e justiça a uma tal valorização. Daí que, na tua perspetiva, a afirmação da possibilidade das escolas se afirmarem como contextos educativos mais inteligentes, mais solidários, mais justos, mais decentes e mais democráticos não só permite conferir um sentido democrático ao trabalho que aí se produz (mesmo que num mundo onde a democracia vacila), como constitui uma razão que legitima a importância educativa dos professores. Por isso é que os estudantes que te tiveram como professora na última escola onde trabalhaste, a Escola Portuguesa de Moçambique, te prestaram homenagem.
“A sua alegria, o seu sorriso, a sua sabedoria e o seu sentido de humor foram sempre uma das nossas fontes de inspiração. No pouco tempo que a conhecemos inspirou as nossas vidas e tornou-se uma figura de referência para nós. Um dia, como em muitos outros, chegou aulas maningue txunada e nós comentámos que estava muito bonita e se tinha algum encontro. Ela respondeu que se tinha arranjado assim para nós! Nesse dia, foi fotografada para o jornal e nós escolhemos a fotografia final... O nosso espaço de trabalho tinha de ser o mais agradável: sempre que possível, o Pátio das Laranjeiras. Era lá que conversávamos sobre todos os assuntos que nos preocupavam ou pelos quais tínhamos curiosidade de saber mais... Desde quaisquer questões até experiências que partilhávamos. Às vezes zangava-se: certo dia a Nicole, que já tinha demorado a mostrar um trabalho, disse que, mais uma vez, se tinha esquecido dele. A professora irritou-se e disse Ó Nicole, não pode ser! A Nicole, com brilho nos olhos, mostrou o trabalho e a stora começou a rir.”
Lemos este texto e compreendemos que o teu coração nunca falhou para os outros, o que talvez explique porque falhou para ti. Escrevemo-lo sem amargura, porque sabemos que nunca evitaste paixões ou os redemoinhos de emoções que resgatam o brilho dos olhos de todas aquelas e aqueles cuja vida não foi vivida por procuração. Escrevemo-lo sem dor porque sabemos, também, que as razões que tantas vezes te conduziram a arriscar o certo pelo incerto tiveram sempre, como horizonte, a luta por uma vida em comum que dispensasse as tiranias e os tiranos de todas as espécies. Fazes-nos falta, Ana Paula, apesar de sabermos, como António Lobo Antunes o confirma, que os “amigos não morrem: andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda. Desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido”. Até sempre! Encontrar-te-emos sempre naquelas e naqueles que denunciarem a opressão, a injustiça e o cinismo dos que, nada fazendo para transformar o que reivindicam ser necessário transformar, se dedicam a tudo fazerem para que nada se faça. Lembrar-nos-emos de ti quando virmos os resultados de um projeto de cidadania e desenvolvimento que não seja, apenas, uma manifestação de catequese cívica e de boas maneiras. Saberemos que andas perto sempre que num tribunal se faça orelhas moucas a episódios de violência doméstica e haja gente que proteste perante a indiferença e o desmazelo jurídicos. Até sempre, Ana Paula!
Ariana Cosme e Rui Trindade
|