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Salamanca: a academia e o professor

Um dia chuvoso de janeiro de 2002 marcou o meu primeiro dia de aulas na Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca. Nesse momento, estava longe de imaginar que, naquele 15 de janeiro, começaria uma história repleta de estórias. Os momentos académicos, entretanto, extravasaram o lado mais formal e foram-se transformando em laços de amizade e de cumplicidade com um grande professor a quem quero, publicamente, agradecer a disponibilidade infindável que marcou, definitivamente, o meu percurso enquanto pessoa e profissional de educação.
Tornei-me, sem ter percebido, salmantina de coração. Voltar a Salamanca é quase um imperativo. Não são necessárias razões substantivas, ou pretextos para voltar. Cada viagem à cidade e, em especial, à Universidade marca o reencontro com o saber e a vontade de continuar a aprender e a fazer parte daquele mágico lugar! É isto que faz um bom professor. Faz a diferença na vida daqueles com quem se cruza. Assim aconteceu comigo!
Naturalmente que estas memórias têm um rosto. Um nome – um professor. Falo de um académico de referência. A sua trajetória de investigação foi reconhecida pela Academia espanhola e pelos seus pares em diversas ocasiões. Recordo, de modo particular, dois momentos, porque tive o privilégio de estar próxima, participar e sentir a emoção de alguém para quem os prémios são recebidos com naturalidade genuína.

Reconhecimento. No ano letivo de 2016-2017 foi o catedrático escolhido pela Universidade de Salamanca para abrir o ano académico (lección inaugural), uma lição de sapiência que intitulou de La paidea universitaria en la fiesta de la ciencia. Desde a tribuna da magnífica sala Paraninfo sublinhou que era para ele uma honra fazer parte do reduzido número de professores que tiveram tal oportunidade em oito séculos de história da universidade. Manifestou uma enorme satisfação que disse assumir com responsabilidade e esperando não dececionar os colegas do Departamento de Teoria e História da Educação e todos os que o acompanhavam naquele momento.
Acrescentou que era uma enorme satisfação intelectual, recebida com especial emoção, difícil de expressar em palavras perante nós. O convite significava, para ele, uma das mais elevadas honras e graças que um universitário pode receber. Pelo menos assim o sentia. Em 17 de outubro de 2019 é de novo notícia. A sua trajetória na profissão e na investigação volta a ser reconhecida pela Sociedade Espanhola Para o Estudo do Património Educativo (votação em 14 de outubro). Foi distinguido com o Premio Manuel Bartolomé Cossío, concedido de forma unânime pelos jurados. Curiosamente, nesse dia começava o congresso internacional VIII Conversaciones Pedagógicas de Salamanca: Influencias belgas en la educación española e iberoamericana, do qual era o principal responsável enquanto coordenador do grupo de investigação Helmantica Paidea, do qual tenho o enorme privilégio de ser membro. Recebeu a notícia com emoção, mas os muitos participantes do congresso puderam constatar que a sua concentração de imediato se voltou para o que era fundamental – a hospitalidade de todos e de cada um na Universidade de Salamanca.
Tudo isto é público! Os jornais e as televisões noticiariam! As redes sociais divulgaram! Os seus muitos alunos (antigos e atuais) não conseguiam disfarçar as emoções. Comentavam e partilhavam! O contentamento era sentido, efetivamente, por todos nós! Mas o tempo dele é tão ocupado que não assiste a estes debates. É sensível e reconhecido, mas permanece indiferente!

Humanidade e a hospitalidade. Por estas razões, e tantas outras que sou incapaz de expressar através das palavras, quando fui desafiada a falar sobre a minha ligação à Universidade de Salamanca pensei, desde logo, em agarrar a oportunidade e dar a conhecer o que nem todos sabem sobre este homem-professor. Hoje é, também, um amigo com quem construí uma sólida, respeitosa, solidária e duradoura amizade e que se tornou numa referência de vida e de profissão. Sempre presente. Um conselheiro que nunca desilude quem se aproxima. As suas palavras emanam tranquilidade e generosidade académica.
Os seus alunos percebem, de imediato, que são respeitados nas suas singularidades. A sua escuta, apesar de ativa, centra-se no essencial. O seu ocupado tempo chega para todos, independentemente das diferentes geografias. Recordo que os tempos de espera por uma reunião, em frente ao seu gabinete, se revelaram momentos de grande riqueza quer na partilha de ideias e projetos académicos, quer na construção de laços que perduram e se efetivaram. Nesse espaço, tive a possibilidade de me cruzar com alunos de Portugal, Brasil, Bolívia, Perú, Colômbia, Equador e Gabão, entre outros.
Na verdade, por detrás destes e tantos outros momentos, está um ser humano de afetos, único, singular, generoso, mas que nos convida ao respeito, à simplicidade de ser-estar. O seu exemplo acaba por nos contagiar. A sua ética, traço distintivo da sua humanidade, acaba por nos traçar fronteiras. Aprendemos a consciencializar a importância do lugar. Sem palavras, diz-nos ‘este é o teu lugar’ ou ‘este não é o teu lugar’.
Falo de José María Hernández Díaz, catedrático de Teoria e História da Educação da Universidade de Salamanca e ilustre colaborador da PÁGINA. Falo de um Professor que personifica a humanidade e a hospitalidade de que necessitam as escolas e as universidades do século XXI.

Evangelina Bonifácio


  
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