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Casa onde não há inclusão...

Na verdade, a inclusão é um recurso. Certamente, ‘o’ recurso sem o qual todos os outros recursos perdem significado. Em Portugal, entendemos isso. E continuaremos a lutar para que o apoio inclusivo seja cada vez melhor, com mais vontades, mais formação, mais recursos e mais utopia.

Não é novo – parece até bastante velho – falar-se das carências que existem nas escolas portuguesas para que se possa cumprir o desiderato expresso na nossa legislação de criar uma Escola Inclusiva. Abreviando razões diríamos que a escola inclusiva é a que consegue educar todos com todos, isto é, que através de uma pedagogia diferenciada consegue pôr em prática uma educação diferenciada e interativa. Sem diferenciação, obviamente, não será possível desenvolver a inclusão, dadas as eloquentes e tão manifestas diferenças entre os alunos; mas esta diferenciação não é feita criando ‘lugares à parte’, antes incentivando ambientes em que os alunos cooperam, aprendem juntos, aprendem uns dos outros.
Enquanto os alunos da ‘Educação Especial’ estavam na escola, mas, muitas vezes, longe da vista e longe do coração, a premência destas carências era menos notada, era qualquer coisa que se passava lá, na Educação Especial, e dizia respeito aos professores de Educação Especial. Mas a partir da publicação do Decreto-Lei 54/2018 ficou claro que o problema não é ‘lá’, é ‘cá’. E cá é toda a escola e diz respeito a todos os professores.
A implicação de toda a escola num processo que muitos de nós fomos habituados a ver como sendo ‘exterior’ e ‘circunscrito’ origina, naturalmente, dúvidas e resistências. É desnecessário enumerar as razões de “falta de formação”, “excesso de trabalho”, “ter 27 alunos na turna”, etc., que são evocadas para este transbordamento da Educação Especial para uma Educação Inclusiva.
Existe até uma questão concreta sobre a organização das escolas que parece muito sintomática da forma como se aborda esta mudança – como é sabido, usamos uma pirâmide de medidas de apoio ao aluno que tem na base as medidas universais, no meio as medidas seletivas e no vértice as medidas adicionais.

As medidas universais são aquelas que, em caso de alguma dificuldade identificada no aluno, mobilizam os recursos e as competências existentes na escola para as procurar resolver. Recentemente, visitei uma escola que, ao fazer a apresentação sobre a sua organização de apoio aos alunos, indicou que havia em todo o agrupamento 98 alunos apoiados. Destes, 92% eram alunos com medidas universais e a restante percentagem destinava-se às outras medidas. Noutra escola, curiosamente no mesmo concelho, quando perguntei quantos alunos usufruíam de medidas universais, a professora olhou-me e disse: “Se as medidas são universais, são para todos, logo, os beneficiários são todos os alunos”. Não deixa de ser interessante pensar como a forma como se olham as medidas universais pode constituir um excelente indicador de como a escola trabalha em inclusão.
As dificuldades em desenvolver a inclusão desembocam, talvez na maioria dos casos, na questão dos recursos. Ouve-se, frequentemente, que não se faz inclusão porque faltam recursos. Gostaria de tratar, ainda que sucintamente, este assunto. Em três pontos.

1. Antes de mais, para assumir que há, efetivamente, uma falta de recursos: conhecemos situações em que os professores de Educação Especial estão sobrecarregados com um número excessivo de casos que não lhes permite um bom acompanhamento de cada um deles; por outro lado, a esperança de que os centros de recursos para a inclusão (CRI) pudessem prover os recursos essenciais está completamente abalada – os CRI recebem há muitos anos o mesmo financiamento, quando o número de casos que precisam de apoio terapêutico-educativo tem aumentado; trata-se, na maioria dos casos, de apoios que são reconhecidos pelos CRI e pelas escolas como insuficientes. E isto há muitos anos. A nossa Educação fez um percurso notável durante o período pós-Revolução de 25 de Abril de 1974, mas, mesmo assim, não foi capaz de se libertar de uma herança de desinvestimento de muitas dezenas de anos. Faltam recursos? Faltam sim, e muitos.

2. Precisamos de saber para que precisamos dos recursos – precisamos de recursos para a inclusão. Vale a pena fazer passar por esta pergunta os recursos que se pedem. Por vezes, os recursos serviriam para que o aluno estivesse mais tempo fora da sala de aula, ou fora das atividades escolares, ou até fora da escola. Não são esses, certamente, os recursos de que precisamos – precisamos de recursos que ajudem a escola, os professores, os técnicos, a melhorar a inclusão de cada criança: na classe, na escola, na comunidade. Precisamos de recursos que se articulem com o trabalho pedagógico, para o qualificar, para que seja mais diferenciado e flexível; logo, mais adequado a educar todos e... com todos.

3. Convido os meus leitores a uma viagem pela ‘imaginação pedagógica’. Imaginem que teríamos um governo que achasse que, afinal, isto da inclusão era um grande equívoco e que conseguisse encontrar verbas para construir grandes escolas especiais – por exemplo, em cada concelho. Todos os recursos iriam para essas escolas: professores, psicólogos, terapeutas, médicos; enfim, todas as pessoas que sabíamos ser as mais competentes. Já imaginaram? Talvez, nesse caso, não se falasse em falta de recursos; estas escolas, sendo em número inferior, teriam, talvez, muitos mais meios. Mas há uma questão fundamental: estas escolas especiais teriam uma falta imperdoável, tão grave que as inviabilizaria como estruturas credíveis – faltar-lhes-ia a vivência, a experiência da inclusão...

É por isso que talvez seja preferível lidar com falta de recursos nos 811 agrupamentos que procuram este valor precioso da inclusão do que criar escolas em que tudo pareceria ser abundante e só faltaria o essencial.

David Rodrigues


  
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