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O centro

1. O centro provoca um certo fascínio aos construtores da igualdade. No centro coloca-se tudo e mais alguma coisa. Obviamente, o centro interessa à política. Em inúmeros casos, procurá-lo equivale ao movimento de uma bola saltitona em busca do centro de gravidade. Vai ao centro, afasta-se do centro, vai ao centro, afasta-se do centro... acabando imobilizada, tão perto quanto possível do centro.
O centro serve também os círculos. Estes não o procuram, sabem onde ele está. É o caso em muitos círculos constituídos por pessoas que centram as suas atenções sobre um objeto, à procura do consenso que, normalmente, tem que ver com assuntos centrais, bem entendido... Na educação definida por currículo, os assuntos centrais, aqueles referidos frequentemente como temas, preocupam quem tem poder e quem não tem. São muitos: o mundo plural, o mundo global, o mundo complexo, o mundo em mudança, a inclusão, a interação, a ética... Tudo merece ser colocado no centro para ser contemplado.

2. Em escolas onde se confunde igualdade com equidade, inclusão com participação, língua com aulas de gramática, o centro também está em voga ultimamente. Aqui reapareceu em força a palavra aprendizagem. Há algum tempo que ensino passou a ser ensino-aprendizagem. Talvez porque essas escolas se tornaram menos ‘belicistas’, os programas especiais deixaram de ser de combate ao insucesso para passarem a promover o sucesso escolar. Aqui, o sucesso está no centro das atenções dos círculos de estudo.
Como é que se coloca no centro a aprendizagem bem-sucedida de assuntos centrais acoplada ao ensino? Na educação formal da instrução, o modo mais simples parece ser continuar a olhar para o objeto do ensino-aprendizagem: o aluno. Alunos migrantes, refugiados, alunos que estão para incluir, as crianças-aluno em geral, todos merecem estar igualmente no centro das atenções. Mais do que no centro, estão no panopticum.
Não é a primeira vez que os alunos ali estão. Já passaram pelo centro no século XVIII e no fim do século XIX. No século XX, com a industrialização do ensino, os indivíduos saíram um pouco da vista em favor dos grupos, mas agora, neste primeiro quarto do século XXI, o foco está novamente em cima deles.

3. Para o trabalho da Escola, o interesse está centrado nos alunos; o ensino encontrou novamente alunos individuais para os fazer aprender. Nessa Escola, as crianças nunca deixaram de ser alunos, in fans. Nos últimos tempos registei:
- há quem deixe as crianças-alunos escolherem “livremente” uma tarefa entre uma série delas, todas definidas pelo adulto-professor – em alguns casos podem até escolher o seu tutor de uma lista apresentada;
- há quem encoraje as crianças-alunos a cumprirem as regras que lhes foram aplicadas – é-lhes dito que têm mais responsabilidades agora – e, sempre que as cumprem, podem lançar um dado para ver que atividade livre lhes é sorteada;
- há quem prepare jogos de tabuleiro, quizes e caças ao tesouro para que o aluno – no centro – aprenda de um modo mais lúdico;
- há quem ofereça aulas no bairro, fora da escola, a alunos segregados dos colegas, porque assim a Escola está mais centrada neles.
A criatividade de quem dirige o panopticum não tem limite.

4. A criança-aluno no centro é objeto de atenção, eventualmente ator num palco, mas não tem autoria sobre o que passa à sua volta. Não é possível ser ouvida porque não é criança-pessoa. Não está no círculo onde a discussão se faz. Está refém do ensino rebatizado. A Escola, com o aluno no centro, não propõe a cidadania-no-ato: a instituição conjunta do espaço de trabalho, onde a relação entre as aprendizagens do vivido e o conhecimento concetualizado se faz. Para o poder fazer, terá de ser uma Escola onde a criança está no círculo de comunicação.
Na escola com o aluno no centro não se vive a interculturalidade-no-ato. A ambiguidade de manuais e referenciais origina uma concetualização abstrata para o aprendente. Este recebe, porque está no centro, o acompanhamento individualizado que corresponde a uma culturalidade diagnosticada.

5. Estar no centro raramente traz vantagem à pessoa. Estar no centro é estar afastado da pluralidade de interações. Relacionar-se com todos, no círculo, poderá trazer vantagem a todas as pessoas reconhecidas como tendo agência na aprendizagem de todos. Mas enquanto quem define a instituição assume que combater o insucesso ou promover o sucesso escolar remete para as crianças e não para a instituição, o aluno terá de estar no centro, como objeto de preocupação.
Coisas do tempo... Será que deslocar as medidas necessárias de correção da instituição para medidas de correção de quem a frequenta é coisa de todos os tempos? Se for, quando mudamos?

Pascal Paulus


  
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