A pergunta que se faz é a seguinte: Portugal está, de facto, preparado para dar as boas-vindas aos brasileiros que tenderão a chegar após as eleições de 2018, com a provável configuração de um quadro político mais radicalmente antidemocrático?
Em razão de laços históricos, culturais e linguísticos, Portugal foi desde o século XVI um destino natural para estudantes brasileiros em busca de formação superior. Porém, na última década, por uma série de outras razões, a presença de cidadãos e cidadãs de nacionalidade brasileira em instituições portuguesas de ensino tem sido cada vez mais acentuada, chegando a um aumento de 42%, entre 2011 e 2017, segundo os últimos dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. Entre os estudantes estrangeiros matriculados no Ensino Superior de Portugal, no último ano letivo, os brasileiros eram os mais numerosos. O avanço das lógicas capitalistas (que aqui não poderei aprofundar), a constituição de um espaço europeu de Ensino Superior de suposta qualidade, no âmbito do Processo de Bolonha, bem como políticas específicas de Portugal para o fomento da internacionalização, estão entre as outras razões que ajudam a explicar este maior dinamismo da mobilidade estudantil no sentido Atlântico Sul-Norte. Relativamente ao último aspeto, há que considerar os efeitos de uma nova e indutora forma de ingresso de brasileiros no Ensino Superior em Portugal, através dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Desde a publicação do Decreto-Lei no 36, de 10 de março de 2014, concluintes do Ensino Secundário (médio) no Brasil, com boas notas nas provas nacionais (ENEM), podem se candidatar a vagas em cursos de nível superior em Portugal. Já são 34 as instituições portuguesas que utilizam as notas deste exame como modalidade de ingresso.
Reflexão urgente. Entre muitas outras questões que podem ser colocadas, a crescente mobilidade internacional de estudantes põe à prova o discurso de uma educação sem fronteiras, voltada para uma cidadania global. Este conceito tem sido empregado de forma recorrente por importantes think tanks, como a UNESCO e a OCDE, com grande poder de influência sobre a agenda política. A educação para a cidadania global pressupõe que as escolas prosseguem, entre outros objetivos, a aquisição de competências de problematização crítica e a interiorização de atitudes e valores solidários que confrontem os desafios da sociedade capitalista globalizada, tão necessários para enfrentar, nomeadamente, as crises humanitárias e os surtos de violência e intolerância de toda ordem. No contexto português, desde logo em espaços de educação básica, secundária e superior, notam-se em certas situações, e contraditoriamente ao que seria de esperar, atitudes e comportamentos que revelam xenofobia em relação aos estudantes estrangeiros, muitos dos quais afetam os estudantes brasileiros e as suas famílias. Esta é, por isso, uma questão que deve estar na pauta de reflexões sobre a internacionalização da educação superior. Discussão que, além do meio académico, deve envolver a comunidade escolar, uma vez que é crescente também o número de brasileiros nos níveis de ensino básico e secundário. Dois argumentos sustentam a urgência desta reflexão. Primeiramente, as eleições de 2018 no Brasil revelaram ao mundo uma crise de valores humanitários e democráticos sem precedentes numa sociedade brasileira já historicamente dilacerada por desigualdades e injustiças sociais e raciais. Em tempos turbulentos, assim, a mobilidade internacional de estudantes e a migração de famílias tendem a avolumar-se. Diferentemente de outras períodos históricos, em grande parte, os brasileiros que estão vindo têm condições socioeconómicas elevadas. Não migram atrás de emprego, mas de uma qualidade de vida que se traduz, por exemplo, no caminhar com segurança pelas ruas e na existência de escolas públicas reconhecidas pela excelência do ensino, e onde os filhos podem conviver e aprender com alunos de diferentes classes e grupos sociais.
Xenofobia presente. Se for considerada a nova realidade social com a qual portugueses de perfil mais conservador e nacionalista estão a confrontar-se, pode estar aqui em causa a perceção de alguns grupos sociais de que a chegada intensiva de estudantes e a nova onda migratória de famílias do Brasil – ou de outros países, como a Venezuela, por exemplo – poderão constituir uma ameaça à tranquilidade de vida dos portugueses ou ao futuro profissional dos seus fihos. A pergunta que se faz é a seguinte: Portugal está, de facto, preparado para dar as boas-vindas aos brasileiros que tenderão a chegar após as eleições de 2018, com a provável configuração de um quadro político mais radicalmente antidemocrático? O que é possível responder é que a xenofobia já se faz presente no cotidiano, ora de modo invisibilizado e subtil, ora de forma escancarada e agressiva. Neste último caso, estou a pensar numa mãe portuguesa que na reunião de pais de uma escola pública, no início deste ano letivo, fez questão de assinalar que Portugal não é o país dos brasileiros. Ao ouvir esta fala, como mãe de duas alunas dessa mesma escola e representante eleita de Pais e Encarregados de Educação, fiquei a pensar como são ainda tão fortes e tão dificilmente transponíveis as fronteiras para uma educação internacional que promova igualmente uma cidadania global.
Rovênia Amorim Borges
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