O mundo da internet acarretou mudanças significativas no nosso funcionamento individual e coletivo. Ao mergulhar nele conseguimos a proeza de estar próximo do ‘outro’ mesmo quando se está longe. A aldeia global que Marshall McLuhan propunha é hoje uma realidade, ainda que carregada de contradições, paradoxos e equívocos.
As possibilidades que a World Wide Web [rede mundial de computadores] colocou à nossa mercê são tais que podemos, nos dias de hoje, descobrir formas de comunicar que julgávamos impensáveis num passado não muito distante. Contudo, não tenhamos ilusões sobre as virtuosidades do mundo virtual. Apesar dos seus avanços e potencialidades, da possibilidade de abertura a novos mundos e realidades que permaneciam no plano do exótico para muitos de nós, o que parece hoje incontestável é a perigosidade que o on-line encerra para as nossas vidas privadas. O facto de comunicarmos facilmente com os outros, mesmos os mais desconhecidos e distantes não pode ocultar a forma distorcida como convivemos com o nosso lado privado e íntimo. Estamos, nas palavras de alguns estudiosos da questão, mais ignorantes do que nunca. Inês Chaíça escreveu em março de 2017 uma crónica no jornal Público que dava conta disso mesmo. O texto intitula-se E depois dos ecrãs, que vida pode sobrar?, onde Chaíça sinaliza: “Estamos rodeados de ecrãs e a vida parece caber em meia dúzia de polegadas. Nos transportes públicos, nos restaurantes, em casa. Há quem pense que a utilização febril dos dispositivos conduz a uma nova forma de ignorância”. Esta obsessão quase esquizofrénica em apresentarmos nessas redes o que estamos a sentir, a fazer, a pensar, a partilha da tão maravilhosa foto de um cenário paradísiaco, a selfie que mostra o novo penteado, o novo make up ou o nosso amor clubístico, pode muito bem ser reveladora das nossas inseguranças e fraquezas. O mundo da web trouxe a narcísica e, portanto, ilusória satisfação em estar dentro, estar on-line a todo o momento e a qualquer hora. Quem está de fora, é ‘um fora’, um infoexcluído, um segregado do mundo altamente tecnológico em que vivemos. A internet, tal como a conhecemos hoje, depende muito dos ecrãs onde ela se expande. As consequências desse mundo dos ecrãs são várias, com imbricações entre todas elas. Destaco as implicações que este mundo tecnológico tem no campo educativo.
‘Geração Cordão’. Muitos dos jovens que frequentam as nossas escolas estão completamente dependentes dos dispositivos eletrónicos (tablets ou smartphones) que levam na mochila ou nos bolsos. O polegar com que manejam esses aparelhos era outrora a bola de futebol com que os jovens jogavam nos intervalos, ou os piões ou a corda de saltar com que se divertiam nos recreios. Mas com uma diferença fundamental: esses dispositivos invadem hoje o interior das salas de aula, contaminando o ambiente pedagógico, tornando-se uma fonte de desatenção permanente. A atenção dos jovens é saltitante; saltitam de assunto em assunto, de matéria em matéria, com a mesma facilidade com que saltam de notícia em notícia no feed, de post em post ou de tweet em tweet, sem nunca aprofundarem um mesmo assunto num tempo circunscrito. Falta-lhes, no dizer do meu colega Rui Tinoco, “higiene na atenção”. O livro de Ivone Patrão, «Geração Cordão: A geração que não desliga?», é bastante pertinente sobre os perigos e as consequências do mundo dos ecrãs na vida dos jovens. Cerca de um em cada quatro adolescentes portugueses são viciados em tecnologia, segundo a autora, que chama ainda a atenção para o fear of missing out (FOMO) nos adolescentes: “Entram em pânico se ficam sem bateria no smartphone. Esquecer-se deste apêndice é impensável. Passou a ser um substituto da memória: está tudo lá registado. Para os jovens deixou de existir time out. Se puderem, nunca param de estar on-line”. O FOMO é assim o equivalente ao craving, que já conhecíamos para a dependência química: o “pânico” gerado pela perceção da impossibilidade de obter, naquele momento, o objeto de prazer e desejo. Contudo, se na dependência química, o adicto teria que procurar esse objeto, no caso da dependência on-line ele está sempre perto de nós, muitas vezes no bolso das calças ou do casaco. Convém que estejamos atentos às mutações que o on-line trouxe para as nossas vidas, bem como para os perigos que recaem, em particular, sobre os jovens e adolescentes. É que eles serão, queiramos ou não, os protagonistas do teatro da existência nos tempos vindouros. E o mundo perderá muito se eles não forem capazes de se debruçar atentamente na leitura de um livro, de escutar um álbum musical inteiro ou de simplesmente conversar tranquilamente com alguém, sem estarem reféns dos ecrãs que os consomem. É o futuro coletivo que está em causa com tudo isso.
Simão Mata
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