A Quarta Revolução Industrial (RI4), incluindo a questão dos seus impactos, anda por aí a pairar, seguindo o costume de sempre que um salto tecnológico relevante é vislumbrado; pelo menos, desde a ocorrência da Revolução Industrial, a da máquina a vapor, no século XVIII. Mas o que é então a RI4?
Recentemente, a Revolução Industrial passou a ser conhecida por Primeira Revolução Industrial (RI1). Isto se nos ativermos, por exemplo, ao que escreve Klaus Schwab – ‘divulgador’ desta nomenclatura, fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial, Schwab diz, em «The Fourth Industrial Revolution», que a RI2 ocorreu na viragem para o século XX, com a produção em massa, possibilitada pelo advento da eletricidade e pela inovação fordista das linhas de montagem. A RI3 ocorreu pelo terceiro quartel do século XX: foi o tempo dos computadores (de meados da década de 80 em diante, adotados massivamente na versão pessoais), da internet (cuja utilização, a partir da WWW, conheceu um sucesso imenso), dos telemóveis, ‘transformados’ há poucos anos em smartphones. Foi também, em particular na União Europeia, a época da teorização e do hype Sociedade da Informação, designação que, entretanto, viu a sua voga decrescer (a pique, diga-se). E mais: falado em círculos mais restritos, profissionais, foi ainda o tempo do enorme impacto sobre o funcionamento ‘global’ dos mercados financeiros, interligados a nível mundial, a poderem operar simultaneamente; as transações eletrónicas à ‘velocidade da luz’... Ficou dessa altura, no princípio do século XXI, o moderníssimo crash que foi o rebentamento da bolha ‘dotcom’ (‘.com’, o nome de domínio que todos soletravam). O ‘valor de mercado’ de uma boa parte das empresas da internet (muitas vezes quase sem trabalhadores), o “criar de valores estratosféricos para os acionistas”, isto é, o fazer subir por especulação o seu valor em bolsa, etc. Por vezes, entravam também as operadoras de telecomunicações, recentemente privatizadas, numa altura em que o número de clientes de serviços móveis crescia exponencialmente. Com base nisto, muitos Estados leiloaram a utilização de espectro rádio por preços astronómicos, até que um dia a bolha rebentou e, então, viu-se que os valores das empresas eram outros, muito mais baixos. Enfim... Dessa RI3 ficou ainda algo menos notado, contudo muito importante: os progressos imensos na área dos transportes, a todos os níveis – a título de exemplo, relembre-se a inovação realizada com a contentorização do transporte de mercadorias; foi a época, também, da menos evocada evolução dos processos de fabrico industriais, da constituição de clusters regionais, nacionais, do amadurecimento das cadeias globais de fornecimento de peças e matérias-primas – hoje, um produto é fabricado (em grande número de casos na China) com base numa quantidade de materiais oriundos dos mais diversos sítios (chips, ecrãs de smartphones, etc.). Aí se está! Na viragem para a chamada RI4, que parte em boa medida não do Ocidente, mas da China.
Grandes avanços. Na sequência do amadurecimento do neoliberalismo, do rebentamento de bolhas (a referida ‘dotcom’ e depois a imobiliária), e da consequente crise de há uma década, a húbris ocidental, sobretudo a norte-americana, continua a preferir a financeirização a todo o custo, o olhar quase exclusivo para os mercados financeiros, paulatinamente perdendo as suas vantagens científicas e tecnológicas. Então, a RI4 é muito visualizada na robotização, na nova fase da inteligência artificial (baseada na utilização da ‘big data’ enquanto matéria-prima e ingrediente fundamental das soluções de aprendizagem automática), no uso da impressão 3D para o fabrico de bens, na IoT (‘internet das coisas’), nos veículos inteligentes (hoje conectados, amanhã autónomos), nas redes 5G, mas também no amadurecimento da nanotecnologia, na biotecnologia, na computação quântica... A RI4, de facto, já conhece um grande avanço na China, que no princípio da RI3 era desdenhosamente qualificada de Terceiro Mundo. Por exemplo, já se diz que as duas regiões em competição na inteligência artificial são os EUA e a China, com vantagem já para esta. É facto que a China é campeã da adoção de robôs nos processos industriais, o que parece natural num país apelidado de ‘fábrica do mundo’. Em contrapartida, também é facto que a indústria alemã tem encontrado um bom mercado na inovação quarto-industrialista da China. Não cabe neste texto a momentosa questão de esperados impactos da RI4... Fica para outra altura.
Francisco Silva
|