O que é que o planeta tem a ver com a compreensão do funcionamento dos sistemas educativos, e porquê? A escassez de trabalhos sobre o que se poderia imaginar ser um tópico perfeito para análise é, em si, consequência da divisão disciplinar do trabalho académico.
Como com certeza muitos outros habitantes do planeta, consigo lembrar-me muito claramente de em criança ter passado pelo processo de estabelecer o meu lugar (literal) no mundo, construindo a minha localização física de forma progressivamente mais alargada: do nome da rua aos arredores, daí para a cidade ou município, distrito, província, país, continente, hemisfério, terminando na Terra, no sistema solar e no Universo. Era um exercício instrutivo, que fornecia, simultaneamente, a nossa localização física única que (literalmente) nos ‘posicionava’ no mundo, dando-nos a ideia do tamanho do planeta e da extensão da sua população. No entanto, este processo tornou-nos muito lugarcêntricos, especialmente quando identificávamos onde é que ‘nós’ vivíamos (o ‘nosso’ país), fosse num mapa do Império Britânico, ou a localização de Lisboa como o centro do mundo. Outra lição dessa maneira de cartografar o mundo foi que, em princípio, se tratava de uma estratégia que qualquer um poderia usar – todos nós nos poderíamos encontrar num mapa global. Onde quero chegar é que esta maneira de vermos as diferentes partes do mundo tem sido, em certo sentido, invertida, e que a métrica mudou de uma direção ‘de baixo para cima’ para outra ‘de cima para baixo’. Somos localizados globalmente, nacionalmente, socialmente e fisicamente, e isso, obviamente, conduz a um modo totalmente novo de compreensão, não apenas da nossa ‘localização’ no sistema solar, mas também do nosso ‘lugar’ literal e metafórico neste sistema – o nosso lugar no planeta não é só, e meramente, locacional; é, ao mesmo tempo, cultural, social, político, económico, civilizacional. Da mesma forma, tornamo-nos conscientes não só da imensa heterogeneidade da vida no planeta, mas também do facto de que essa heterogeneidade é produto dos impactos da atividade humana ao longo dos últimos 200 anos – período cada vez mais referido como ‘Antropoceno’, época em que a mudança planetária tem como força motriz a atividade dos seres humanos.
Lugares e possessões. Porém, temos também que reconhecer que o ‘lugar’ dos seres humanos no planeta não é apenas fisicamente ‘locacional’, mas também político, económico, social, civilizacional e culturalmente ‘locacional’, de múltiplas maneiras, compreendendo não só múltiplos ‘aqui’ (lugares), mas também múltiplos ‘seus’ (possessões), com diversas consequências que dimanam das complexas combinações que formam. Assim, enquanto todos nós herdamos um planeta (um ‘aqui’), o facto de ter sido e ser usado e explorado de várias e diferentes maneiras, em diversos momentos e lugares para diferentes propósitos, significa que os múltiplos ‘seus’, necessariamente, mudam o nosso foco do lugar para a possessão, o que inevitavelmente constrói formas de diferenciação. No entanto, tais distinções tendem a ser enganadoras se se assumir que se trata de coisas separadas, interna e externamente, equivalentes. E isto torna-se particularmente evidente na era do Antropoceno, embora, como diz o antropólogo sueco Alf Hornung, “as capacidades semióticas da nossa espécie tenham tornado possível gerar desigualdades intra-espécies sem precedentes (...) a mera designação ‘Antropoceno’ arrisca a deixar as desigualdades completamente fora do panorama no seu todo”. Mais, a utilização dos resultados na “subsunção da natureza, (é) velada pela representação da natureza como distinta da sociedade” (Crist citado por Hornung na revisão do conceito de Antropoceno). Mas talvez a maneira mais útil de abordar estas ideias seja perguntar o que é que elas acrescentam, se é que acrescentam, ao superlotado campo da ‘análise das políticas educativas’. Noutro trabalho, sugeri que uma análise do ponto de vista destas ideias podia ser aplicada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que parecem ser um foco muito apropriado para tais análises. No entanto, em certo sentido, a escassez de trabalhos sobre o que se poderia imaginar ser um tópico perfeito para uma análise do ponto de vista dos tipos de enquadramento e consequências que podem ser abordadas a partir de tal perspetiva é, em si, uma consequência da divisão disciplinar do trabalho académico. Talvez uma característica do planetário seja que ninguém vive ‘aqui’!
Roger Dale
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