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Tempos de retrocesso

A educação é de qualidade quando possibilita aos estudantes examinar e compreender distintos pontos de vista, bem como avaliar, escolher e ajudar a construir, a partir de princípios de convivência, um projeto de sociedade valioso para todos, e não unicamente para seu grupo social.

Vivemos tempos difíceis no Brasil, na América Latina, no mundo. Pessoas, grupos sociais, sindicatos, partidos políticos com distintos propósitos e posturas ideológicas se confrontam, muito mais com o propósito de impor seu ideário, objetivos, do que de interagir, negociar, construir um projeto de sociedade em que todos tenham voz e vez. Confrontos, construídos a partir de desqualificação dos que pensam e apresentam propostas distintas, se multiplicam.
Nas escolas, professores estão tendo sua autoridade de estudiosos de uma área de conhecimentos e sua autonomia didática questionadas, bem como suas práticas pedagógicas avaliadas com critérios elaborados a partir de valores, hierarquias, motivações, objetivos de determinados grupos sociais. Projetos individuais ou restritos a determinados grupos são difundidos como se fossem projeto de sociedade, valioso para todos. Professores se veem constrangidos entre seu engajamento político, construção de estratégias educativas, distintos processos de aprendizagem dos alunos, bem como projetos educativos particulares de famílias, de algum grupo social, em particular. Pais e mães, nem sempre dispostos a participar da concepção, da avaliação dos projetos político-pedagógicos das escolas de seus filhos, julgam procedimentos e conteúdos de ensino, unicamente a partir de interesses próprios ou restritos a seu grupo social.
Pessoas que veem seus pontos de vista e interesses como centrais e que, por isso, devem ser impostos a todos, buscam justificativas para criticar, avaliar e impor objetivos seus para a formação oferecida pelas escolas.
Sem dúvidas, o acompanhamento por pais e mães da vida escolar de seus filhos é necessário e valioso. Entretanto, quando tal atitude fere a autonomia didático-pedagógica dos professores e os constrange, ensina aos estudantes desrespeito a pessoas mais experientes, relações baseadas em prepotência, bem como compreensões incompletas do que sejam processos educativos.

Ampliar a compreensão. A educação é de qualidade quando possibilita aos estudantes examinar e compreender distintos pontos de vista, abordagens, bem como avaliar, escolher e construir, a partir de princípios de convivência, aprendidos na família e na escola, o projeto de sociedade que, por julgar valioso para todos, não unicamente para seu grupo social, ajudará a construir.
Ora, para tanto, é necessário, de um lado, compreender distintas concepções de vida, trabalho, sociedade, religiosidade, relações econômicas, sociais, notadamente étnico-raciais, presentes na sociedade, a fim de construir engajamento ideológico capaz de cultivar relações sociais sadias que combatam o ódio, o desprezo aos pobres, aos negros, aos povos originários das Américas, os indígenas, aos aborígenes, aos ciganos, aos LGBT, a mulheres, a tantos outros que o mundo em que vivemos insiste em não valorizar.
De outro lado, há que deixar de cultivar individualismos justificados por direito à privacidade, desconstruir princípios da meritocracia que se baseiam em privilégios, racismos, homofobia, processos educativos que visam marginalizar a maioria e garantir privilégios para alguns.
Até recentemente, muitas pesquisas têm se ocupado de violências promovidas por currículos, por experiências escolares, também universitárias, que cultivam conhecimentos depreciativos sobre grupos humanos, incentivam comportamentos violentos contra, por exemplo, empobrecidos, migrantes, negros, indígenas, mulheres, transexuais, travestis, causando sofrimentos, notadamente entre estudantes desses grupos.
Hoje, sem abandonar tais investigações, precisa-se ampliar, incentivar pesquisas que ajudem a compreender: condições e papéis de professores, de professoras em contexto de desconfiança dos seus propósitos com o ensino que promovem; interesse/disponibilidade de pais e mães acompanharem de perto a educação de seus filhos, em ambientes escolares; participação de pais na elaboração, execução de planos político-pedagógicos.

Petronilha Gonçalves e Silva


  
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