Que contributos pode dar a educação à promoção da trilogia inalienável de direitos (civis; políticos; sociais, económicos e culturais)? Na cosmovisão ocidental, trata-se de proceder à capacitação de todos, e de cada um, para o exercício e usufruto responsável dos direitos que são inerentemente seus.
No período que mediou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), foram vários, e variados, os factos ocorridos no sentido, primeiro, de se reconhecer, no âmbito dos Estados democráticos, a igualdade dos cidadãos perante a Lei e a Justiça, de onde derivaria a ideia primordial de que a igualdade de direitos significa que os mesmos podem ser generalizados a todos como condição sine qua non; e, segundo, de se supervisionar o cumprimento da proteção estatal dos direitos e liberdades universais, conseguindo-se, desde 1950, que a sua violação possa não ficar impune, como atestam as competências atribuídas ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, mais recentemente, a criação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, ou, ainda, o reconhecimento do direito à ingerência humanitária, o que tem sido visto como um considerável progresso da civilização. Assim, durante este período histórico, foi-se transitando de um legado jusnaturalista para uma filosofia do direito contemporâneo e, portanto, foi ganhando forma e consistência um conjunto articulado de direitos que, tradicionalmente, tenderam a ser organizados em três subconjuntos, ou gerações, refletindo, assim, sobretudo questões contextuais, quer de cronologia quer de terminologia. Não obstante, aqui, o essencial passa por compreender a inter-relação entre as gerações e a unicidade deste sistema de direitos, bem como as suas profundas implicações éticas ao nível da geopolítica, ou seja, como colocou Hannah Arendt, em 1968, a essência dos Direitos Humanos é o ‘direito a ter direitos’. Nesse pressuposto está a ideia, fundamental, de dever ser inegociável empreender ações para a salvaguarda da trilogia inalienável dos direitos, na qual, a primeira geração (direitos civis), que está na base do constitucionalismo moderno, assegura direitos e liberdades pessoais, tais como: o direito à vida, à nacionalidade, ao habeas corpus, bem como à liberdade de expressão, religião, etc. A segunda geração (direitos políticos) assegura direitos de participação na Pólis, tais como o direito ao sufrágio universal e o direito de associação e representatividade jurídica. A terceira geração (direitos sociais, económicos e culturais), assegura direitos de justiça social, tais como: a igualdade concreta de acesso à educação, à proteção social e aos cuidados de saúde, ao trabalho, à propriedade privada e habitação, bem como assegura os direitos coletivos, de solidariedade ou de titularidade difusa, tais como a autodeterminação dos povos, a paz, a conservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentado, o património genético, etc.
Participação. Posto isto, interessa indagar, entre outras possibilidades, acerca dos contributos que a educação pode dar à promoção dessa trilogia inalienável dos direitos. Ora, na cosmovisão ocidental do mundo, trata-se de proceder à educação para os direitos humanos enquanto capacitação de todos, e de cada um, para o exercício e usufruto responsável dos direitos que são inerentemente seus. Nesta matéria, a praxis educacional tem aqui um espaço de intervenção política para operar um alargamento popular da conscientização de que, na nossa condição de sujeitos, titulares de iniciativa e agência social, somos concomitantemente, titulares de responsabilidades. Isto implica querer e saber usar dialogicamente a ação comunicacional para educar, e educar-se, na ideia de que os direitos das pessoas enquanto sujeitos são, simultaneamente, responsabilidades das pessoas enquanto sujeitos. Este pressuposto significa, desde logo, assegurar, e assegurar-se, que o reconhecimento do ‘outro’ ocorre a partir do princípio da igualdade entre sujeitos e, portanto, da não discriminação face à diferença e à alteridade, mas também, assegurar e assegurar-se de que a democracia é entendida plenamente como uma série de regras, derivadas da autoridade política democrática, que estruturam a pertença política a um espaço comum e público. Portanto, é nossa convicção que este sentido de pertença só pode ocorrer a partir do princípio da participação na res pública, isto é, de participação nos processos de decisão e regulação do espaço e bens comuns, sendo a deliberação democrática o modo de gerir e regular a conflitualidade inerente à liberdade de viver numa sociedade multidimensional e complexa. Só este exercício, quando alimentado, contribuirá para reafirmar com urgência, tanto local como transnacionalmente, a inalienável necessidade de se voltar a respeitar o valor da dignidade humana.
Rosanna Barros
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