“A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do ser humano e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos”.
Eu sei que há pessoas avessas a comemorações. Acham que é só ‘fogo de artifício’ e que, por vezes, até servem como válvula de escape para que as tensões sobre o que se comemora não se radicalizem e expludam mais tarde. Eu, pelo contrário, gosto de comemorações e vejo-as como uma renovação das razões e um convite para refletir onde estamos e para onde vamos. É por isso que escrevo sobre o 70º aniversário da adoção e proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a 10 de dezembro de 1948. Referir-me-ei em particular aos desafios que no momento se colocam a uma efetiva política de Direitos Humanos na Educação. Antes de mais, cabe lembrar que no artigo 26º da Declaração se escreve que a Educação “deve visar à plena expansão da personalidade”. Não deixa de nos fazer pensar esta palavra ‘plena’, que certamente não terá explicação mais óbvia que não seja a de uma educação que promova e dignifique todas as dimensões humanas sejam elas sociais, emocionais, afetivas, cognitivas, relacionais, etc. O mesmo artigo diz mais adiante, que a educação visa desenvolver “a compreensão, a tolerância e a amizade” entre os povos, e aqui entendemos a relevância que atribuída à Educação. Podemos encontrar aqui o fundamento legal para o desenvolvimento de políticas de educação multicultural, de cidadania ativa, de equidade e de inclusão. Não é novidade afirmar que a Declaração faz repousar na Educação uma parte imprescindível das suas esperanças para que o declarado venha a prevalecer nas sociedades. Esta esperança no papel da Educação é uma responsabilidade acrescida para todos os agentes educativos e deveria ser uma orientação fundamental de todos os sistemas educativos. Mas de que educação falamos? Num texto publicado há três anos pela UNESCO, torna-se muito claro que as medidas equitativas e inclusivas devem dirigir-se também à exclusão que é provocada pela Educação. Esta formulação confirma que a Educação não deve ser vista sempre como um domínio benigno, que só faz bem e nunca prejudica.
É importante saber que não basta falar em Educação para se promoverem os Direitos Humanos. Há modelos, valores e práticas que os promovem e outros que não promovem. Talvez pudéssemos pensar em alguns exemplos de valores educativos que não os promovem e que têm surgido ultimamente com uma relevância inusitada e insuspeitada. Falemos de quatro: – o ‘presentismo’, palavra que encontrei para designar a ânsia de viver e entender o presente sem o contextualizar – um presente que não tem dimensão, que não tem contexto, nem memória; olhar um facto como se ele fosse explicável e evidente só pelo simples facto de existir; – a ignorância que subalterniza o conhecimento, trocando-o pela novidade do dia. Recentemente, falava com um aluno que, no meio da conversa, me disse ter visto um vídeo muito interessante, em que alguém defendia a teoria da Terra Plana. Perguntei se acreditava nisso e ele disse: “Acho que não, mas a teoria é muito interessante”. Esta subalternização do conhecimento constitui um grande risco para assegurar uma educação que nos leve aos Direitos Humanos; – a análise unidimensional, abdicando, por fastidiosa e inútil, da análise das opiniões de outras pessoas. A ausência de uma argumentação séria, fundamentada e consequente leva a ‘aterrar’ em slogans que podem ser muito chamativos, cómicos ou bem encontrados, mas não deixam de ser uma cristalização em ideias hegemónicas e indiscutidas; – a apologia da educação isolada. A complexidade das situações que se vivem em educação não pode ser resolvida sem entender todas as implicações e ramificações e, assim, parece sempre mais fácil apostar em ambientes restritivos como forma de reduzir a complexidade. É assim que vejo o aumento de apoiantes do ensino doméstico – a omnipresente e persistente conceção de que os alunos com dificuldades aprendem sempre melhor se estiverem isolados e com ensino individual.
Passados 70 anos, talvez esperássemos que os Direitos Humanos tivessem atingido um patamar de aceitação também ela universal, pelo menos na Educação. Não é o que se passa. Entendemos hoje, melhor do que ontem, que a luta pelos Direitos Humanos em Educação é uma campanha talvez infindável (o que não nega o seu progresso), mas que vai renovando os problemas que tem de entender, enfrentar e resolver. Enfim, a questão que nos suscita esta comemoração é pensarmos na nossa responsabilidade como educadores, ao fim e ao cabo, como os grandes responsáveis pela implementação dos Direitos Humanos, aqueles em que, há 70 anos, a Declaração depositou as suas melhores esperanças. Nós aqui estamos, a responder à chamada.
David Rodrigues
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