Exigência e relação humana são condições de uma boa relação pedagógica e de uma verdadeira pedagogia universitária, que, na sua diversidade, unidade e pluralidade, tem de estar de acordo com a natureza da própria instituição, que, afinal, atravessa todo o Ensino Superior, universitário e politécnico.
A fundação das universidades, na Idade Média, continua a irradiar uma luz que se tem ofuscado, na distância das origens – foi um nascimento, entre a Época Clássica e o Renascimento, que deu frutos de verdade, uma palavra fora de moda. Por isso, o Mundo está como está, numa idade de obscurantismos e ataques perigosos às e das democracias a si mesmas, levando a emergir, até por omissão e falta de pluralidade real, ditaduras que tendem a ofuscar e anular, perigosamente, o ser humano na sua singularidade, em concreto, e no coletivo, no seu dinamismo e direito original de ser e coexistir! Ora, as universidades não se podem calar e muitos menos – sabemos que não é o caso português – fazer o jogo dos poderes manipuladores. A Universidade, para o ser, tem uma essência de liberdade criadora, só assim liberta e se liberta. Leia-se, de novo, «O Silêncio dos Livros», de Georges Steiner. Qualquer área do saber tem a obrigação de ser humanidades, para que a boa Ciência não degenere, perigosamente, no cientismo ou num positivismo sem rosto humano. E é tão confortante que nas universidades haja tantas e tantas figuras que amam a vida, o saber e o conhecimento. Para se ser professor é preciso sentido de missão, de vocação e de opção. Não é possível falar, com auctoritas, a não ser a partir de dentro e em exemplo. Também por isso, há uma ligação íntima entre ontologia, fenomenologia e hermenêutica. Só assim a comunicação alarga a compreensão. Em bom rigor, no tempo da criação das universidades, já estava, em gérmen, o sentido da mobilidade, do Erasmus e outras realidades contemporâneas. Mas há uma ‘essência’ que tem de ser resgatada neste tempo das falsas notícias – e de notícias falsas – e de novas ditaduras. Essa essência é a liberdade no horizonte da verdade; a essência tem, de novo, de dar sentido à existência, numa metafísica de carne e osso, em valores maiores. Sem um vínculo de relação do conhecimento à verdade, as práticas nas universidades, um pouco por todo o mundo, podem ser aliadas dos poderes que esquecem e tentam reprimir o poder libertador da palavra e da doutrina, no seu melhor, isto é, pensando a Universidade como instituição universal que deve ser, onde quer que seja, guardiã e promotora dos Direitos Humanos, não em retórica, mas na prática pedagógica de corresponsabilidade.
Cuidado com o ser. Aprendemos com os grandes professores universitários a prática de relação entre ensino, investigação e extensão universitária. E quando as grandes figuras exercem cargos fazem a diferença, para bem de todos, em empenho de verdade, sempre em sentido de missão, até com sacrífico, em prejuízo do seu tempo, para o que mais gostam de fazer: ensinar e investigar, como muitas vezes expressam. Só esses são verdadeiros pastores do ser; é Heidegger que o afirma: “o homem é o pastor do ser”, e adianta: “o ser é o mais próximo”, como podemos ler em «Carta sobre o Humanismo». Onde está o equilíbrio desse humanismo: em «O Existencialismo é um Humanismo», de Sartre, que defendia que “a existência precede a essência” e Humanismo de Heidegger? Dá que pensar a afirmação de Heidegger, no livro citado: “Pensa-se contra o humanismo porque ele não instaura a humanitas do homem numa posição suficientemente alta.” Não haverá razões fortes para pensar e agir numa interligação entre Educação, Filosofia e Política? A preocupação está – deve estar – ligada ao cuidado com o ser, na linha de Heidegger. Não será tempo de reler, sem preconceitos de esquerda ou de direita, a «Pedagogia do Oprimido» e a «Pedagogia da Autonomia» de Paulo Freire, esse grande filósofo e humanista brasileiro? Alguns modismos em certos setores das Ciências da Educação – não nos seus núcleos essenciais de referência, que são vários – ocultaram a Educação na sua essência e como meio de realização de Cultura. A Educação é uma área fundamental para a elevação dos níveis de várias formas de literacia, ao longo da vida. Alguns traços da pedagogia de auditório conjugam-se, em dinâmica, com a pedagogia de laboratório. Não é tempo de desocultar o sentido profundo da lição dialógica e da oração de sapiência? Não estará esta no caminho da autonomia e da liberdade?
Figuras singulares. Desejo referir, entre outros possíveis, dois livros coletivos, coordenados pelo Professor Doutor Cassiano Reimão: - «A Formação Pedagógica dos Professores do Ensino Superior», das Edições Colibri, com depoimentos e textos de Cassiano Reimão, Luís Sousa Lobo, Júlio Pedrosa, Dieudonné Leclercq, António Cachapuz, José Ribeiro Dias, Manuel Ferreira Patrício, Jean-Paul Doncklèle, Teresa Ambrósio, Maurice Kogan, José Veiga Simão, António Candeias, Patrícia Rosado Pinto e José Reis; - «Pedagogia Universitária: práticas e processos em tempos de mudança», publicado pela Universidade Lusíada Editora, com depoimentos e textos de Diamantino Durão, Cassiano Reimão, Ángel Garcia del Dujo, Jorge Silva, Ricardo Leite Pinto, Luís Sebastião, João José Matos Boavida, Manuel Patrício, Raili Pöldsaar, Nilza Costa, Orlindo Gouveia Pereira, Vitor Crespo, João Redondo e Isabel Sanches da Fonseca. Eis uma plêiade de professores, investigadores e autores que têm contributos notáveis para pensar a pedagogia universitária. E note-se: todos os textos são autorais, de autoria única. Não estará a faltar uma pedagogia pensada e pensante que contrarie um certo coletivismo na escrita, que se torna o não lugar do não autor sem conteúdos, sem uma referência a uma epistemologia do sujeito em abertura, que pensa e age também em interpessoalidade e intersubjetividade? Cada pessoa-sujeito, também em intersubjetividade, é portadora de um pensamento citável. Quem disse o quê? Cada pessoa explica como sabe, mas é importante saber. Em todos os níveis do ensino, os conhecimentos, atitudes, capacidades, competências e valores são fundamentais. Julgo que, em grande parte, nos diferentes níveis de ensino não existe, lá bem no fundo, uma diferença de essência, mas de grau. Na Universidade esse grau aprofunda a essência. Por onde andam as figuras singulares? Leiam-se, no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias (outubro/novembro de 2018), os textos e depoimentos sobre o padre-professor Manuel Antunes e os livros de homenagem aos grandes das universidades portuguesas. Onde e como estamos a aprender, hoje? Na Universidade, é fundamental que a pedagogia não degenere, de modo nenhum, em pedagogismos nem em demagogias. Exigência e relação humana são condições de uma boa relação pedagógica e de uma verdadeira pedagogia universitária.
Emanuel Oliveira Medeiros
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