Página  >  Opinião  >  Um renovado interesse pela Pedagogia Social

Um renovado interesse pela Pedagogia Social

A construção das primeiras balizas teóricas da Pedagogia Social representou um esforço conceptual assinável, mas as publicações recentes em língua inglesa trouxeram à tona um conjunto de discrepâncias terminológicas e de imprecisões científicas que vieram pôr a nu a ausência de um corpo teórico unificado.

Depois de ter nascido para enfrentar as ruturas socioantropológicas da industrialização, da urbanização e da modernidade, a Pedagogia Social (PS) tem vindo a tornar-se apelativa para o mundo anglo-saxónico (onde não tem uma tradição teórica significativa), devido ao seu contributo educativo para pensar o lugar das pessoas nas sociedades de risco contemporâneas. Também por esta razão, nas últimas duas décadas, autores não-ingleses têm publicado artigos sobre PS em língua inglesa enquanto área de conhecimento e de investigação específica, assim como campo de formação e de atuação profissional.
Se, do ponto de vista histórico, a construção das primeiras balizas teóricas da PS representou um esforço conceptual assinável por parte dos seus autores de referência (embora com perspetivas ontológicas, epistemológicas e axiológicas nem sempre coincidentes), as publicações recentes em língua inglesa trouxeram à tona um conjunto de discrepâncias terminológicas e de imprecisões científicas que vieram pôr a nu a ausência de um corpo teórico unificado. Como constructo teórico, a escrita destes autores evidencia ambiguidades quanto à natureza, ao alcance e ao objeto da PS, facto que se tem revelado, simultaneamente, problemático e desafiador para determinar se esta é, afinal, uma área académica específica ou uma atividade profissional... ou tudo ao mesmo tempo.
Para Xavier Úcar, as inconsistências sobre o estatuto e o método resultam de seis mal-entendidos ao nível cognitivo, político, científico, da ação, normativo e social(1). Numa perspetiva renovada, advoga que a PS, enquanto conceito, disciplina e prática representa um objeto híbrido complexo, aberto, dinâmico e em constante mutação. Realizadas as leituras que se impõem, as divergências e os mal-entendidos resultam, em nossa opinião, maioritariamente da conjugação de três fatores principais:
(i) os autores interpretam a PS a partir de contextos e tradições de pensamento e de ação educacional distintos;
(ii) os autores relacionam-se com a PS a partir de perspetivas prático-metodológicas diferenciadas, como é o caso do trabalho social (social work), o apoio crianças e jovens (care) e o desenvolvimento comunitário ou a animação sociocultural;
(iii) os autores têm diferentes conceções de ‘social’, consoante as características sociopolíticas dos países de que são provenientes.
Numa iniciativa rara para gerar consensos a este respeito, um estudo recente(2), levado a efeito para identificar o tipo de saber que a PS preconiza e quais os métodos de trabalho que a caracterizam, realizado através da metodologia Delphi e envolvendo 13 peritos internacionalmente reconhecidos, conseguiu chegar a alguns entendimentos a respeito de oito dimensões mais significativas caracterizadoras da PS.
De entre estas, destacam-se:
– os consensos alcançados em torno das razões históricas que lhe deram origem;
– a afirmação epistemológica de que é uma ciência, uma prática e uma arte que possui características específicas para a sua definição e implementação em cada contexto particular;
– que se socorre de metodologias qualitativas, quantitativas e hermenêutico-interpretativas;
– que, como disciplina académica, constitui um conhecimento articulado para diferentes esferas profissionais, fornecendo orientações educacionais para necessidades e problemas sociais por meio de ações e projetos de intervenção;
– que tem como missão intervir em diferentes situações e contextos, segundo critérios científicos capazes de orientar a tomada de decisões e a atuação profissional;
– que a axiologia e as estruturas políticas e ideológicas de cada país influenciam a posição atribuída à PS no desenvolvimento do Estado de bem-estar, das políticas sociais e educativas.
Acrescentam-se a estas ideias algumas outras dispersas por vários autores, mas nem por isso menos importantes:
(i) a PS configura uma filosofia de ação e um campo interdisciplinar que acolhe e potencia outras profissões do ‘social’;
(ii) neste pressuposto, constitui mais uma perspetiva de intervenção do que uma caixa de ferramentas;
(iii) as noções de pessoa, sociedade e educação constituem esteios do pensamento social-pedagógico, não obstante a sua heterogeneidade ideológica;
(iv) como ciência prática (teoria-prática) ou como prática científica (prática-teoria), a PS produz um saber profissional próprio.
Não obstante as discrepâncias conceptuais constatadas, ler afirmações fundacionais da PS em língua inglesa suscita em nós um encantamento renovado: “The idea of human dignity is included in the concept of homo educandus. Traditionally, the social pedagogical perspective in social work does not only concentrate on helping people to survive under difficult circumstances in everyday life, but goes further. It aims to promote those developmental processes in people that are connected with moral values. [...] One educational task of social work is to help people to attain and to maintain the experience of meaning and dignity in their life. Pedagogical questioning is closely connected with ethical themes.”(3)

Referências
(1) Xavier Úcar: Exploring different perspectives of Social Pedagogy: towards a complex and integrated approach
(2) Àngela Janer & Xavier Úcar: Analysing the dimensions of Social Pedagogy from an international perspective
(3) Juha Hämäläinen, The Concept of Social Pedagogy in the Field of Social Work

José Luís Gonçalves


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo