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A escola de professores, ou nós por cá todos bem

A Escola será das comunidades educativas e dos que nela trabalham, nomeadamente, dos professores que tiverem práticas pedagógicas e educacionais amplas, abrangentes e abertas; que não se medem por rankings, que lutam por novas pedagogias e também pelos direitos sindicais, que têm sempre muita coragem e passam a vida à espera do encontro com a Poesia.

1. O mundo da Educação não é fácil. O universo das escolas públicas é complicadíssimo. Não pelas mudanças que se vão fazendo, mas pelas que não se conseguem levar a cabo. Iniciaram-se neste ano letivo duas medidas, publicadas a 6 de julho, que poderão melhorar bastante a Escola portuguesa: a Educação Inclusiva (Decreto-Lei no 54/2018) e o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (Decreto-Lei no 55/2018) já experimentado no ano passado em mais de duzentas escolas. Estas duas medidas complementam-se e uma não poderá existir sem a outra;

2. Embora a Educação Inclusiva corresponda a um compromisso com a UNESCO, o que nos move é a mais-valia que é a diversidade de alunos, no futuro, cidadãos responsáveis e solidários. Pensar que há os que precisam e os que não necessitam está ultrapassado e só é usado por aqueles que pretendem estabelecer e aprofundar diferenças (não só socioeconómicas, mas também) e utilizar a Escola pública em seu favor. Todas as crianças são diferentes; têm por isso direito a um plano de educabilidade universal centrado nas suas necessidades e que respeite a sua autonomia pessoal. É coerente que, no tempo em que vivemos, todas as crianças tenham acesso a todo o tipo de conhecimento em todas as áreas. Trabalhar no sentido da construção de uma confluência dos alunos para determinados cursos parece obsoleto, ainda que o ideal da sociedade capitalista a tal induza. Todas as crianças têm de ter acesso à dança e à geometria, à música e à linguística, à engenharia e à pintura, à gramática e à biologia, à química e ao teatro, à informática e ao desporto, à arquitetura e à história, à geografia e à literatura. Porque cada uma é boa numas coisas e menos boa noutras. É fraca numas coisas e melhor noutras.
Diferentes medidas (universais) para todos é um direito. Também o aluno aparentemente bem integrado e adaptado ao sistema vigente tem direito à diferenciação pedagógica, a acomodações curriculares, a enriquecimento curricular, a desenvolvimento a nível do comportamento pró-social. As medidas seletivas (percursos curriculares diferenciados, apoio psicopedagógico, apoio tutorial, antecipação e reforço de aprendizagens) são para todos, de acordo com os seus percursos e os recursos materiais e humanos disponíveis nas escolas. A inclusão começa aqui, driblando as barreiras às aprendizagens, por vezes do próprio sistema. Todos têm direito a diagnóstico e talvez a uma intervenção precoce sem que isso ‘carimbe’ (marginalize). Os que tenham ou venham a ter necessidades de saúde especiais serão alguns entre os pares.

3. Assim emerge o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular. A possibilidade de cada escola definir e gerir o currículo utilizando diferentes abordagens e percursos variados em diversas etapas e distintos níveis implica a introdução de diferentes organizações e metodologias, mais motivadoras e inseridas no mundo atual, e conduz a trabalhos em equipas de professores, de alunos e de outros, a situações de entreajuda valorizadas como formação, ao reconhecimento das mais-valias do outro, ao desenvolvimento de atitudes de cidadania. Implica uma postura de autoavaliação sistemática, monitorizando tudo metodicamente.

4. O grande problema surge quando se trata de encontrar recursos materiais e humanos. Os entraves são visíveis e francamente impeditivos. Uma classe profissional desprotegida e desrespeitada (por políticos, colunistas e outros na sociedade), que tem a responsabilidade de garantir o futuro de uma nação, mesmo tão envelhecida, não está motivada para trabalhar em excesso. Cabe ao ministério e aos diretores das escolas, quanto antes, elaborar horários legais e salutares, não saturados de burocracias, que permitam o trabalho coletivo em prol do bom funcionamento; e recuperar uma gestão de docentes envolvidos, independentemente de terem um diretor democrático ou ditador.
Os professores ainda trabalham ‘para exames’. Se Tiago Brandão Rodrigues acabou – e bem! – com os de 4º e 6º anos, deveria também ter findado os de 9º e Secundário para evitar a concentração em metodologias que apelam à inação e à memorização e são um treino ‘pernicioso e nocivo’, e também para impedir uma formação de discentes pouco pró-ativa, para o Ensino Superior e para o mundo do trabalho – onde 54,6% dos empregadores frequentou o Secundário e 43,3% dos trabalhadores por conta doutrem tem o 9º ano.

5. Que não se esqueça Nuno Crato. Que virou tudo ao contrário; que veio dar a entender que o Português e a Matemática é que eram muito importantes; que mandou elaborar um programa de Português do Ensino Secundário praticamente igual ao de Literatura (situação que continua anómala para os cursos ditos de Humanidades); que inventou os exames de Cambridge. Que instituiu o medo nas Escolas.

José Rafael Tormenta


  
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