É primordial o acesso ao conhecimento. Este é filtrado nas fontes, por sua vez filtradas por quem as consulta. Perante a proliferação de fontes, a autoridade instrutiva e de transposição do professor e da instituição escolar, também ela um filtro, perde significação.
A escola é de pequena dimensão. A sua população provém dos cinco continentes. Desde há cinco anos dedica parte do seu tempo a assuntos introduzidos pelas crianças. Os professores convidam os escolares a proporem projetos de trabalho e a constituírem-se como equipa, sem preocupações de idade ou de disciplina curricular. Crianças e adultos escolhem-se em torno de um projeto de trabalho. Durante a sua realização, recorrem a conteúdos do currículo enquanto fomentam o seu desenvolvimento. Naquela tarde, partilham-se ideias para preparar as próximas seis semanas, cerca de 25-30 projetos de trabalho. Um rapaz de 11 anos está à procura de quem queira trabalhar umas perguntas simples: houve mesmo quem tenha ido para a lua? Neste caso, quem foi o primeiro a alunar? Parece mais uma pergunta de concurso televisivo do que uma proposta para um projeto de trabalho. Mas quatro pretendentes, de idades e turmas diferentes, insistem e convencem o professor de Ciências a juntar-se a eles. A primeira argumentação é política. O proponente, recém-chegado do Brasil, argumenta que nunca houve gente na lua, que tudo isto foi propaganda dos norte-americanos para mostrarem a sua pretensa superioridade em relação aos povos sul-americanos. — Porque é que dizes isso? — perguntou o professor. — Vi num documentário, no youtube. Os cinco fazem um plano de recolha de informações. O professor sugere o contacto com a ESA [European Space Agency] e a NASA [National Aeronautics and Space Administration] através das suas páginas on-line. E que visitem a estação espacial através da linha direta youtube. As reações não tardam: — Ele não sabe. Os americanos foram mesmo à lua. O primeiro homem na lua foi Louis Armstrong. — Louis Armstrong? Luís? — Sim, vi na net. A cópia de uma apresentação feita por alguém, algures no planeta e colocada num repositório de trabalhos escolares serve de prova. — Na NASA dizem Armstrong, mas é Neil, observa outro membro do grupo. — É dos americanos, para nos enganar. Entretanto, as opiniões dividem-se acerca das imagens da estação espacial. Será que não passa de um teatro filmado? Inicia-se um trabalho para reunir mais informação e anotar onde ela é encontrada. O professor sugere uma entrevista com um cientista ligado a projetos espaciais. Enquanto se aguarda a resposta do cientista, a internet revela novos ‘factos’. Quem desconfiava da propaganda norte-americana reconhece: — Afinal houve pessoas na lua, sim. — Ah sim? O que te fez mudar de ideias? — Vi num documentário no youtube, professor. Mostram que foi na lua que houve o primeiro contacto com os extraterrestres. Mas nem toda a gente sabe, porque há quem não queira que todos saibam. Por isso há quem diga que nunca houve homens na Lua.
O projeto ganha novos contornos. A pequena equipa constrói um olhar refundado sobre a exploração do espaço e as razões da corrida à lua. Descobrem que houve razões políticas para a corrida à lua, contudo diferentes das inicialmente afirmadas. Durante um dos balanços bissemanais, os oito professores que acompanham os 26 projetos comentaram o sucedido. Hesitaram em deixar iniciar este grupo. A proposta não passava da recolha de informações que constam de qualquer enciclopédia. Tornou-se um projeto de trabalho. Este surgiu com o gradual conhecimento de diferentes playlists acerca da aventura espacial do ser humano, ao sabor das preferências de quem as elabora, umas opinativas e não informativas. O projeto levará a uma aprendizagem acerca do grau de veracidade da informação contida numa determinada fonte.
Para ser cidadão do mundo é primordial o acesso ao conhecimento. Este é filtrado nas fontes, por sua vez filtradas por quem as consulta. Perante a proliferação de fontes, a autoridade instrutiva e de transposição do professor e da instituição escolar, também ela um filtro, perde significação. Mas importa aprender a entender a fidedignidade das fontes e dos filtros. A aprendizagem de todos os envolvidos apoia-se na relação comunicativa entre cada um que, por si, se constrói numa representação da realidade. Entre os adultos, em geral, e os professores, em particular, há quem reflita sobre a função do docente, com uma visão desprendida, global e holística. São uma espécie de astronautas. São poucos e ainda bem que existem.
Pascal Paulus
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