Há uma certa ausência de questionamento sobre a máquina. Há silêncios a mais. Há braços caídos e até mesmo uma sensação de que não vale a pena. É mais fácil manter a rotina do que molhar o fato perante a chuva de críticas que a todo o momento cai.
Em apreciação ao comportamento político, escreveu o jornalista Vítor Hugo, relativamente ao titular da pasta da Educação na Madeira: “A sua discrição tem valido com que passe entre os pingos da chuva sem que se molhe muito.” Excelente síntese. Sem se molhar, diria eu. Aqui reside o problema que, agora, generalizo ao país. Um político tem de expor-se e tem de molhar-se. Só assim será possível acrescentar alguma coisa ao pré-existente. Quando mantém o fatinho político impecável, engomadinho e impermeabilizado, obviamente que tende a repetir o passado, ou melhor, significa que existe apenas para deitar óleo na máquina velha e ferrugenta. E a máquina, peça antiga da sociedade industrial, retocada aqui e ali, digna de figurar em um museu da história da educação, continua a arrastar-se na engrenagem de ontem, por ausência de vontade política em encontrar outras mais adequadas aos tempos que correm. Preferem substituir peças. Não por ausência de cabimentação orçamental, mas por negligência e falta de coragem. Espantosa é a existência de homens e mulheres governantes, que olham para essa máquina, que percorreu mais de 200 anos, e não lhes suscita uma interrogação, uma inquietação: que faz ela aqui? Por que não trocamos esta sucata em função da investigação e dos novos paradigmas do desenvolvimento? Por que teimam em manter uma engenhosa estrutura que olha para trás e não para o futuro? Uma máquina que, insensível, repete e repete, que mais não sabe fazer do que repetir o passado, mecanicamente, poderá ter lugar no mundo tecnológico, organizacional, curricular, programático e sobretudo pedagógico de hoje? Há uma genérica ausência de questionamento sobre a máquina. Há silêncios a mais. Há braços caídos e até mesmo uma sensação de que não vale a pena. O Presidente da República tem razão: “Os portugueses, de facto, não dão primazia à Educação como prioridade nacional.” Ou melhor, é mais fácil manter a rotina do que molhar o fato perante a chuva de críticas que a todo o momento cai.
A insatisfação existe. A angústia dos trabalhadores é evidente. A síndrome de Burnout alastra-se ao longo do ano, a baixa médica acontece com frequência, os ‘serventes’ dizem que aprendem mais de 60% fora da fábrica, mas a máquina continua a funcionar – repito – mecanicamente, alheia a tudo, surda e muda ao mundo e aos apelos dos vários sistemas que para ela olham, hoje, com desdém. A chuva cai, com intensidade, impiedosamente, mas o óleo permite-lhe que funcione! As fábricas abrem às oito, o patrão chega às nove, olha para os relatórios e manda disponibilizar mais óleo ou WD 40. Tal qual um relógio e à semelhança da sociedade industrial, toca para entrar e toca para fechar e, no dia seguinte, a roda dentada volta a funcionar. Cada vez mais lentamente, mas funciona. Com mais ou menos ‘projectos’ de produção. Há dias escutei, de passagem, alguns debates sobre o funcionamento da fábrica. Todos os gerentes das sucursais por aí espalhadas, genericamente, deram-se por satisfeitos com o patrão, com o funcionamento e com a produção. O patrão manda, paga no dia certo e nós obedecemos. Percebi-os, também, a passar por ‘entre os pingos da chuva’. Apenas um que quis explicar a máquina, um que mais parecia uma caterpílar com parafusos soltos, tal o ruído produzido, fez-me mudar de canal, por não aguentar tantas incoerências. Em contraponto, escutei um ou outro com alguma mensagem subtilmente dirigida ao patrão da fábrica. Ora, eu sei que meter o pauzinho na engrenagem da máquina necessita de conhecimento e sobretudo coragem para enfrentá-la. Acredito que em alguns casos, existindo conhecimento (existe com certeza), a coragem é reprimida. Tenho pena, porque todos vamos continuar a pagar cara a produção, porque, tal como sublinhou o jornalista, a discrição faz com que o patrão passe “entre os pingos da chuva sem que se molhe muito”. Ainda bem que existem sucursais desalinhadas. Lamento, pelos trabalhadores da fábrica, pelos ‘serventes’ e pela produção futura. Uma boa produção não é possível com ‘peças’ de museu. Devemos apreciá-las, mas não segui-las.
André Escórcio
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