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A mediação como modelo para a intervenção socioeducativa

A mediação socioeducativa promove, orienta e acompanha o encontro entre indivíduos, entre estes e o meio social ou entre estes e a cultura. O mediador faz propostas, desvela o desconhecido, promove a curiosidade, convoca o imaginário, conferindo outras possibilidades à realidade.

O escritor austríaco Robert Musil concluiu, na sua obra mais famosa, «O Homem Sem Qualidades», escrita no início do século passado (1930), que é a realidade que desperta a possibilidade. O autor explica que “as possibilidades serão sempre as mesmas até aparecer alguém para quem uma coisa real não é mais importante do que uma imaginária. É ele que dará às novas possibilidades o seu sentido e a sua finalidade, é ele que as desperta”.
A mediação é um conceito com múltiplos sentidos que se encontra em diversas áreas de intervenção, nomeadamente forense, familiar, escolar ou laboral – a mediação socioeducativa tem um sentido diferente, uma vez que pode ser definida, nas palavras de Rosa Marí Ytarte [Mediación socioeducativa desde una perspetiva intercultural], como a ação que promove, orienta e acompanha o encontro entre indivíduos, entre estes e o meio social que habitam ou entre estes e a cultura, afastando-se de uma conotação judicial e da mera resolução de conflitos.
É um espaço criador, que transforma o saber e as formas de convivência e relação, e que deste modo se aproxima do sentido que se pode atribuir às palavras de Musil. O mediador educativo não separa o sujeito do que ele necessita para fazer a aprendizagem, seja um saber, uma relação ou uma técnica, acompanha-o antes nesse processo que lhe cabe a ele, educando, desenvolver e avaliar. O mediador faz propostas, recorda o esquecido e desvela o desconhecido, promovendo a curiosidade pelo que se ignora, conferindo outras possibilidades à realidade, convocando o imaginário que convive com o real.

Dimensões da mediação. Para José García Molina, a mediação encontra-se no estabelecimento de laços entre partes que não estão suficientemente próximas para poder estabelecer uma relação por sua vontade ou iniciativa, proporcionando uma aprendizagem potencial que de outro modo dificilmente se poderia concretizar [Dar (la) palabra. Deseo, don y ética en educación social]. A mediação implica nesta perspetiva três processos de encontro e de descoberta: com conteúdos culturais, relativa ao conhecimento dos outros e relativa ao contexto social, através do conhecimento de lugares ou espaços de interesse formativo, lúdico, cultural, tais como serviços de saúde, de formação ou os espaços das diversas expressões artísticas.
A mediação destina-se, nesta dimensão pedagógica, a estabelecer, ou restabelecer, uma relação positiva consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com a vida em geral [Adalberto D. Carvalho & Isabel Baptista, Educação Social - Fundamentos e estratégias]. Para Natalia Hipólito Ruiz, a mediação social, cultural e educativa mobiliza conhecimentos teóricos e metodológicos sobre mediação; competências para reconhecer os conteúdos culturais, lugares, indivíduos ou grupos; o conhecimento da sequência do processo mediador, na própria prática e em partilha com os educandos; a destreza para propor a relação os conteúdos, indivíduos, coletivos e instituições [Funciones y competencias de los educadores y las educadoras sociales].

O papel do mediador. Este convite para aprender, criar e procurar responder ao que se quer desvelar, implica pensar, para lá da planificação e organização do processo, numa ação partilhada, co-construída. Os percursos e itinerários, sejam os intelectuais, sejam as pessoas na companhia com quem eles se farão, não podem estar previamente determinados, conclui Rosa Marí [Culturas contra ciudadania? Modelos inestables en educación].
Isto é, a mediação para uma cidadania efetiva implica a capacidade para criar e reconhecer a narratividade plural, construída a partir do protagonismo ativo dos sujeitos da educação.
É esse o papel do mediador, e é essa a tarefa que tem pela frente: propor um trajeto ou deslocação que facilite uma expansão da perspetiva, de que resulte a compreensão de que o modo como se pensa e se vive pode ser diferente.
Musil escreve-o de uma forma perfeita, quando recorda a capacidade de pensar e de fazer pensar “tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é”.

Paulo Delgado


  
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