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Excelência acadêmica

A adoção de políticas de ação afirmativas por universidades públicas brasileiras tem enfrentado sérios desafios: ensino, pesquisa e extensão universitária fazem face a visões de mundo e projetos de sociedade distintos, até mesmo opostos.

A formação acadêmica de excelência incentiva os estudantes, seus professores, também os técnicos-administrativos que os apoiam, a buscarem respostas para: qual a situação de sua comunidade de origem, hoje, na sociedade? quais as perspectivas da formação profissional e de pesquisador, tendo em conta a comunidade de origem (história, metas futuras)?
A experiência intelectual de negros, indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos é distinta, pois sua situação social e a sua visão de mundo são diversas. Assim sendo, para construir excelência acadêmica, além de perseguir critérios acadêmico-científicos, é preciso aprofundamento de debates sobre questões que afligem a sociedade em seus diferentes segmentos, a fim de formular propostas de soluções. Soluções construídas em colaboração com comunidades cujos problemas se pretende ajudar a resolver, com a produção universitária.
Valoriza-se, pois, educação universitária, produção acadêmica, com compromisso social. É sabido que essa perspectiva não é buscada por todos, sejam estudantes, docentes-pesquisadores, técnicos-administrativos. Princípios da meritocracia ainda predominam, orientam a vida universitária.
Os integrantes das comunidades universitárias, a partir de experiências com suas famílias, comunidades, instituições participam, por meio de seus estudos e tarefas, da construção de culturas. Culturas essas que projetam a sociedade, onde planejam viver. A produção de conhecimentos está, pois, comprometida com projetos de sociedade, declare-se ou não. Projetos que se confrontam na execução de atividades acadêmicas, em relações pedagógicas, procedimentos de pesquisa.
Nas academias, há quem insista em continuar renovando o projeto de sociedade instalado com o sistema mundo projetado pelos colonizadores, no século XVI. Em número cada vez em maior, está presente quem batalha por desconstrução e superação de violências, prepotências, desqualificações, desrespeitos que, de forma cada vez mais explícita, se encontram nas universidades. Nessas instituições, agressões se apresentam, por meio de ideias, de procedimentos de ensino, do não reconhecimento daqueles não prezados por quem se julga superior, em virtude de convicções políticas ou religiosas, também de posses acumuladas. Muitos são os maltratados, entre eles, negros, indígenas, ciganos, pessoas em situação de pobreza, também aqueles/as cujo modo de ser e viver não corresponde ao que alguns, por preconceitos, marginalizam – transexuais, travestis, prostitutas, além de pessoas com deficiências.

Novos critérios. Há quem considere que a produção científica não deva ocupar-se de questões sociais. Já outros avaliam, e suas pesquisas têm demonstrado, que compromisso social não interfere no rigor científico.
A partir do início do século XXI, políticas públicas de ações afirmativas têm sido estabelecidas, a fim de garantir possibilidades de cursarem o Ensino Superior, em cursos de graduação e de pós-graduação, afrodescendentes, indígenas, quilombolas, pessoas em situação de pobreza ou baixa renda, pessoas com deficiências, transexuais, travestis. Isso tem desafiado o trabalho de docentes, de pesquisadores, ao exigir busca de novas referências teórico-metodológicas, bem como redimensionamento de critérios para excelência acadêmica.
Espera-se que os estudos universitários formem pesquisadores, profissionais em distintas áreas de conhecimentos e atuação, lideranças no campo político, econômico, artístico, comprometidas com os direitos de todos os grupos sociais, e não unicamente dos que têm mantido, desde o século XVI, o poder de governar e de estabelecer metas para a sociedade.
Em tempos política e economicamente difíceis, como os que vivemos, para assumirem funções de intelectuais de excelência acadêmica, enquanto estudantes, profissionais, os jovens precisam ser desafiados, em seus estudos, a encontrar respostas para questões como: qual a situação da minha comunidade de origem na sociedade? qual o papel dessa comunidade, hoje, na sociedade, no país? quais minhas perspectivas enquanto integrante de uma comunidade histórica, enquanto cidadão, estudante universitário, futuro profissional?

Petronilha Beatriz Silva


  
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