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Educação, currículo e valores

Temos de despertar e acordar para a nossa vocação ontológica de “ser mais”. É tempo de ser, para respirar, existir e coexistir. É tempo de questionar. É urgente renovar a Escola: o currículo e as práticas pedagógicas têm de ser espaços e tempos para cultivar valores maiores.

A Educação é um campo imenso a cultivar. Gosto de conceber e ver a Educação a partir da metáfora e realidade do campo. Afinal, é no campo e do campo que nasce o sentido original e fecundo de Cultura, a raiz da cultura de onde vem a seiva para irrigar e nutrir a Educação. O professor doutor Manuel Ferreira Patrício – sobre quem há sempre tanto a estudar – defende que entre Educação e Cultura há uma identidade ontológica e uma diferença funcional. De facto, a Educação é um meio, não no sentido instrumental do termo, para concretizar e realizar a Cultura. A Escola é, na sua essência, Cultura. Erradicá-la da Escola é empobrecê-la.
Muitas das medidas de política educativa e curricular esvaziam os conceitos e as práticas da sua riqueza cultural. No livro «A Escola Cultural. Horizonte Decisivo da Reforma Educativa» – que é preciso saber ler na sua cronologia reflexiva, interna (os textos estão datados) –, Manuel Ferreira Patrício deixa-nos reflexões e pensamentos intemporais, sempre atuais, atualizáveis e atuantes. A verdadeira teoria – que é ver – é uma prática culminante. Mais do que professores reflexivos, que se deixam enredar na retórica do ‘professor reflexivo’, precisamos de professores pensadores, capazes de induzir a verdadeira inovação, pensada e ponderada.

Interdisciplinaridade. Um exemplo que podemos dar de que, em Educação, a suposta inovação pode ser um logro foi a Área-Escola, que conheci bem de perto e em que me empenhei, de modo ativo, quando era professor no Ensino Secundário, antes de ingressar, através de concurso público, na Universidade dos Açores (01.11.1992).
A Área-Escola foi apresentada, a partir de 1989, como o ‘pulmão’ da Reforma Educativa e Curricular, que se lançou em 1990/91. O pulmão secou! Mas sempre disse aos meus alunos, designadamente de Desenvolvimento Curricular (disciplina que lecionei várias vezes) que a Área-Escola poderia desaparecer, mas não desapareceria a pertinência da interdisciplinaridade nas suas várias gradações: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e transversalidade dos saberes.
Não me limitei, nunca, à sua concetualização epistemológica, já de si tão fundamental e necessária, mas sempre dei provas, como professor e investigador, das potencialidades e intertextualidade do verdadeiro saber interdisciplinar que, na sua essência, é cultura em diversidade e unidade de sentido(s). Não se avança em Educação sem figuras da Educação, sem Filosofia da Educação e sem Filosofia do Currículo. A Educação é um lugar de antinomias, como bem tematiza Quintana Cabanas, e uma área de complexidade, como aprofunda Edgar Morin.

Currículo e valores. Podemos falar de várias conceções de currículo, em várias dimensões, numa perspetiva escolar e não escolar, em lógicas formais e não formais, como friso de disciplinas ou áreas curriculares, não disciplinares, como foi a Área-Escola e, mais recentemente, a Cidadania e Formação Cívica, a Área de Projeto, pelo menos desde 2001, com a Reorganização Curricular do Ensino Básico, e desde 2004, com a Revisão Curricular no Ensino Secundário. As disciplinas ou áreas-curriculares não disciplinares, quando bem pensadas, são promotoras de atitudes, conhecimentos, capacidades, competências e valores.
Outras disciplinas têm assumido lugar no currículo. É o caso de Desenvolvimento Pessoal e Social e de Educação Moral e Religiosa (católica ou de outras confissões), que o legislador apresenta como alternativa formativa equivalente – que é, de facto. O Homem é um ser religioso, de valores múltiplos, nos quais se integra a dimensão transcendente, que nos habita e supera. Em plena Primeira República, o ministro da Educação, Leonardo Coimbra, soube dizê-lo e defendê-lo, contra qualquer laicismo inóspito.

Tempo de questionar. A Educação, a Escola e o currículo, as práticas pedagógicas e didáticas, têm de ser espaços e tempos para cultivar valores maiores que contribuam para a afirmação da Verdade, da Justiça, do Bem, do Belo, da Solidariedade, da Fraternidade (entre tantos outros), fazendo regenerar a saúde nessa sociedade doente e corroída pelo individualismo ganancioso, pela mentira, pela inveja, pela maldade – que devem ser severamente punidas –, onde se multiplicam tantas formas de pobreza e exclusão.
Temos, todos, de saber incluir, de fazer uma Educação Inclusiva. E todos são centros e periferias de poder e indigência. Quem poderá alienar essa condição e possibilidade? É preciso resgatar o valor da palavra e da dignidade da pessoa humana que cada um é, não como reconhecimento, mas como dom que, depois, o Direito assegura. A verdadeira moralidade precede a legalidade.
Há que recuperar, em rostos humanos. Há sede e fome de justiça. Temos de despertar e acordar para a nossa vocação ontológica de “ser mais”, na expressão de Paulo Freire. Perante nós, ainda e sempre, está o horizonte da esperança do SER. É urgente renovar a Escola. É tempo de ser, para respirar, existir e coexistir em valores maiores. É tempo de questionar, que é, em si, um valor filosófico e educacional.

Emanuel Oliveira Medeiros


  
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