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Pistas para lidar com o empobrecimento do pensamento

É fundamental transformar o fluxo em experiência relatada. Só a experiência é partilhável. Mas só a experiência crítica (que se pensa e se fala) se funda no diálogo com os factos e com os alicerces éticos da ação.

Depois de um pueril encantamento com as possibilidades aparentemente infinitas das novas tecnologias da comunicação, surge o recalcitrante impacto da realidade: cada vez mais os populismos de extrema-direita ganham apoio popular; a política é apresentada e vivida como um interminável reality show; as opiniões tornam-se arbitrárias e desligadas da comprovação dos factos; os sistemas mediáticos híbridos, com forte presença das redes sociais, facilitam a ligação direta aos destinatários, evitando as mediações críticas e a contra-argumentação; a categoria ‘verdade’ dilui-se na proliferação de filtros cognitivos que criam bolhas de autocomiseração e de confirmação da mesmidade, com profunda e aviltante aversão ao outro.
Este empobrecimento do pensamento consubstancia-se na aceleração das rotinas, do trabalho e da informação, doravante assentes na destruição criativa dos pressupostos intelectuais e experienciais anteriores, hostilizando a cumulatividade, como se não houvesse passado, apenas um presente instantâneo e ininterrupto, que não permite distância nem exterioridade reflexiva. Esta aceleração convive com a dispersão do pensamento numa espiral de rizomas – a lógica da hiper-realidade, sem centro, em constante derivação, um link leva a outro link, tornando impossível a síntese. Tudo se torna circulante, efémero e instável; a relevância desgastando-se a um ritmo alucinante. A memória, a palavra e a consciência perdem terreno para a perceção, a emoção ou mesmo a irracionalidade. A conexão abomina as paragens do pensamento crítico e pede cada vez mais aceleração e dispersão, tal como na economia tudo se desmaterializa em fluxos.

Novos desafios. Neste contexto, que não convida propriamente ao otimismo, mas que não deve ficar paralisado na consciência cética, novos desafios se colocam às escolas, na era em que não há ‘paredes’, apenas ‘redes’ [Paula Sibilia, «Redes ou Paredes. A escola em tempos de dispersão»]. Saliento, como hipóteses de trabalho ou pistas exploratórias:
- a sala de aula como possibilidade de espaço híbrido, que alterna momentos online com ocasiões offline, trabalhando ambos os contextos como quadros de interação, em que é importante estar junto e pensar em conjunto, para além das blindagens identitárias ou da mera epiderme das opiniões;
- a escola como organização que cria competências críticas, desde logo na descodificação e comparação das fontes produtoras de informação;
- a oferta de momentos organizados de desaceleração e corte com as pressões imediatistas, algo que tanto a arte como o método experimental propiciam;
- o culto do gozo da solidão por oposição ao frenesim comunicacional permanente, espécie de preparação para uma interação de qualidade;
- o exercício do compromisso na relação pedagógica, fugindo ao falso dilema autoritarismo ou caos, procurando trabalhar a partir dos sentidos pessoais e culturais da desordem, fomentando o diálogo como alternativa quer à apatia, quer à hiperatividade;
- aprender a pensar as imagens, antes que elas nos pensem a nós.
Em suma, é fundamental transformar o fluxo em experiência relatada. Só a experiência é partilhável. Mas só a experiência crítica (que se pensa e se fala) se funda no diálogo com os factos e com os alicerces éticos da ação. Para não sermos prisioneiros do instante que nos devora.

João Teixeira Lopes


  
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