Faria bem aos responsáveis pelas políticas educativas aproveitar o legado de uma das mentes mais lúcidas na educação, para saberem identificar quais são os verdadeiros desafios e qual o melhor caminho para com eles lidarem. Se o fizessem, com certeza poderíamos esperar uma educação melhor e mais justa.
1. Deixou-nos, este ano, um dos grandes pensadores da educação contemporânea. Juan Carlos Tedesco, professor, pedagogo, historiador, filósofo, intelectual extremamente comprometido com a transformação e a defesa da educação pública e adepto do Racing de Avellaneda morreu em Buenos Aires, a 8 de maio de 2017, após prolongada doença. Tedesco foi professor de história da educação em várias universidades argentinas, embora a sua carreira profissional se tenha desenvolvido principalmente no campo da política educativa internacional. Foi especialista da UNESCO durante muitos anos, onde assumiu cargos como diretor da Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC) e, posteriormente, do Bureau International l’Éducacion, em Genebra (UNESCO), e do Instituto Internacional de Planeamento da Educação (IIPE), em Buenos Aires. Entre 2007 e 2009, foi ministro da educação da Argentina: primeiro, no mandato de Néstor Kirchner; mais tarde, no de Cristina Fernández Kirchner. Após a sua experiência no campo político, Tedesco voltou ao ensino, desenvolvendo cursos de mestrado e de pós-graduação em diversas instituições internacionais e especialmente na Universidade Nacional de San Martin.
2. Tive a sorte de o conhecer pessoalmente em 2003, quando, graças à Fundação Jaume Bofill, o convidaram para abrir uma série de conferências e debates que, posteriormente, deram origem ao livro «Política educativa y igualdad de oportunidades». Ouvir Tedesco refletir sobre a educação do futuro e a igualdade das oportunidades educativas foi magnético. O seu tom pausado e afável tornava ainda mais sedutoras as suas vigorosas ideias sobre política educativa e sobre a transformação da escola pública. Nas suas palavras, conversas ou escritos reunia o brilho de um excelente comunicador, o rigor da análise científica e um imenso compromisso político com a equidade e a justiça social. Esta conjunção faz de Tedesco, sem dúvida, uma das referências contemporâneas mais importantes para a interpretação da dimensão social e política da educação e, sobretudo, para entender para onde vai o mundo da educação e para onde deveria ir.
3. Em comparação com a de outros autores, a produção escrita de Tedesco não é imensa, mas nos seus textos não há um único parágrafo a mais. Inclui várias análises sobre os sistemas educativos da América Latina e sobre as necessárias reformas educativas para melhorar a sua eficácia e a equidade. Mas é nos textos de reflexão teórica que Tedesco é mais fascinante. Em Los Pilares de la Educación del Futuro, as suas ideias recuperam as bases do ‘Relatório Delors’ para a UNESCO [«Educação: um Tesouro a Descobrir», 1999] para dar sentido e uma direção política aos conceitos de aprender a aprender e aprender a viver juntos. Diz Tedesco que as transformações do capitalismo nos obrigam a repensar o papel da escola na sociedade atual e a assumir com clareza que as funções sociais da escola devem preceder as práticas pedagógicas. Em tempos de efervescência e debate sobre a educação do futuro e de tanta agitação inovadora, como os que hoje estamos a viver, reler Tedesco pode ajudar a adquirir uma perspetiva mais ampla e a estabelecer de forma clara as necessárias prioridades sociais da escola e da educação.
4. A Tedesco ficamos a dever também uma linha de reflexão radical sobre as relações entre educação e pobreza. A preponderância das funções sociais da escola é evidenciada nos seus trabalhos, com Néstor López, sobre o conceito de educabilidade. Em Las Condiciones de Educabilidad de los Niños y Adolescentes en América Latina (2002) insiste na importância do mínimo necessário para que as crianças possam aproveitar a experiência escolar. Perante os discursos hegemónicos sobre as virtudes transformadoras da educação, Tedesco alerta para importância dos efeitos da pobreza e para a sua contundência que, nas situações mais extremas, tornam quase inúteis os efeitos positivos da educação para acabar com a pobreza. A frase “abaixo da linha de subsistência, as mudanças institucionais ou pedagógicas têm um impacto muito pequeno nos resultados dos alunos” é uma declaração de intenções sobre como a política educativa deve ser indissociável da política social e sobre as limitações de reformas institucionais para mudar a escola. Tive oportunidade, juntamente com outros companheiros e companheiras, de pôr em prática estes princípios numa investigação sobre pobreza e educação no Brasil, publicada sob o título «Ser pobre en la escuela» (2010), que teve o duplo privilégio de um prólogo pelo próprio Tedesco e da sua participação na apresentação do livro. A investigação destaca que as ideias de Tedesco não são apenas inspiradoras, mas também extremamente úteis para análises empíricas.
5. Hoje, as novas tecnologias tornam mais fácil o acesso a gravações das conferências que Juan Carlos Tedesco fez nos últimos anos. Para aqueles que não tiveram a sorte de o ouvir ao vivo, vale a pena ver uma das suas últimas conferências sobre educação e justiça social na América Latina. As suas reflexões são, mais uma vez, um convite para pensar sobre como deve ser o futuro da educação nas sociedades complexas. Faria bem aos responsáveis pelas políticas educativas aproveitar o legado de uma das mentes mais lúcidas na educação para saberem identificar quais são os verdadeiros desafios da educação no futuro e qual é o melhor caminho para com eles lidarem. Se o fizessem, com certeza poderíamos esperar uma educação melhor e mais justa.
Xavier Bonal
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