Contra os que ainda olham para Portugal como país periférico ou colónia no Eurogrupo, é preciso continuar, como se canta no Hino: entre as brumas da memória, levantar hoje de novo o esplendor de Portugal.
Muito se surpreenderiam os ideólogos da União Europeia (Jean Monet e Robert Schuman) se, ressuscitados, voltassem à capital italiana para ver como estavam a ser comemorados os 60 anos do Tratado de Roma pelos 27 países europeus – Inglaterra ausente, em estado de Brexit – que subscreveram uma declaração já não de princípios, mas de meios de continuidade, que não eram previsíveis naquele tempo. Para alguns países participantes, como Portugal, dois fantasmas ameaçadores pairavam no espaço: o ministro das Finanças alemão, Wolfang Schäuble, e o holandês presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem; o primeiro, a quem chamavam ‘o tesoureiro da Europa’, acusando Portugal de não cumprir o ‘défice’ orçamental estabelecido em Bruxelas, o segundo, criticando Portugal por gastar mais do que devia em “copos e mulheres”. A nós, meros observadores do que vai acontecendo nesta União Europeia em vias de se reconfigurar numa União Económica e Monetária, naturalmente destinada a gerir meios económico-financeiros e não princípios ético-sociais, outras memórias marcadas por algumas sinestergias remetem-nos para a famigerada Conferência de Berlim, de 1884-85, em que, a convite do chanceler alemão Otto von Bismarck, 13 países europeus (incluindo Portugal), Estados Unidos e Império Otomano debateram a partilha de África, com a definição das linhas de fronteira – ausentes, os países africanos mesmo já reconhecidos.
Pretensões. Registe-se que em 1876 já se tinha realizado em Bruxelas, por iniciativa do rei Leopoldo II, uma Conferência Internacional (para a qual Portugal não foi convidado), tendo em vista o reconhecimento das pretensões da Bélgica no Norte do Rio Zaire e da Alemanha no Sudoeste Africano entre o rio Cunene e o paralelo de Cabo Frio. Do ‘acerto’ dos interesses dos países mais poderosos com os de um Portugal de menor representação política internacional resultou, para este, o Mapa Cor-de-Rosa, que ainda contemplava, grosso modo, os territórios invejáveis de Angola e Moçambique. Ganharam em pleno, ao largo da África toda, franceses, belgas, ingleses, holandeses e alemães, sendo estes, contudo, ‘aliados’ contundentes na linha de fronteira do Sul de Angola com a atual Namíbia, do que resultou a frustrada tentativa alemã de anexação militar durante a Guerra de 1914-18, de má memória para Portugal, embora ali vitorioso. Salva-se desta má memória o afluxo de camponeses ‘boers’ (de origem holandesa), apesar de portadores do vírus do apartheid, que não tendo conseguido fundar uma ‘república’ autónoma no Sudoeste Africano, migraram para Angola a partir de 1880, talvez com a esperança de poderem conseguir ali o espaço de autonomia que não lhes foi permitido no Sudoeste. Na Alemanha, em 1913, jornais como o Newe Preussiche ainda defendiam a compra dos territórios africanos colonizados pelos portugueses, se necessário, por outros meios...
Ultimato. Mas o ‘acerto’ não foi definitivo... Em Janeiro de 1890, a Inglaterra, em ‘Memorando’ do primeiro-ministro, Lord Salisbury, exige ameaçadoramente que Portugal desocupe a faixa de território entre Angola e Moçambique (inclusa no Mapa Cor-de-Rosa). Era um Ultimato para Portugal deixar livre o teritório que deu lugar à Zâmbia e ao Zimbabué e que os ingleses reivindicavam por estar no seu proclamado ‘eixo do Cairo ao Cabo’. Em nome da Velha Aliança monarcal com a Inglaterra, Portugal não fez guerra de resistência na terra dos Macocolos. Mas deixou explodir o sentimento que fervilhava no seio dos patriotas, e no dia 5 de outubro de 1910 proclamou a República, obrigando o último rei, já constitucional, D. Manuel II, a embarcar com a família na Ericeira, tendo por destino a Inglaterra, onde permaneceu até à morte. Para a sua História do Futuro, Portugal respondeu ainda ao Ultimato instituindo como hino nacional “A Portuguesa”, com letra do poeta e arqueólogo Alfredo Keil e música do compositor e oficial da Marinha Henrique Lopes de Mendonça; e na literatura épica, o livro emblemático de Guerra Junqueiro, «Finis Patriae», que ele, como escritor da Escola Nova, dedica, no poema À mocidade das escolas, à juventude, exortando-a a pugnar pelo ressurgimento da pátria. Donde, sem canhões, contra os que ainda olham para Portugal como país periférico ou colónia no Eurogrupo, é preciso continuar, como se canta no Hino: entre as brumas da memória, levantar hoje de novo o esplendor de Portugal.
Leonel Cosme
|