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Comunicação reconfortante

Podemos imaginar a comunicação entre pessoas, sem considerar a heterogeneidade que as define? Podemos imaginar o trabalho de aprendizagem entre as crianças, sem considerar os obstáculos que a escola da instrução lhes coloca? Podemos imaginar uma sociedade plural sem considerar a facilitação da comunicação entre todos, removendo barreiras etárias?

Observo, naquela manhã, no berçário e na creche, os encontros entre as crianças até aos dois anos. Olham umas para as outras, tocam-se, exploram-se. Imitam pequenos gestos, pequenos sons. As que já sabem andar procuram as que não sabem. Os encontros são curtos, mas sempre com olhares muito concentrados uns nos outros. Há risos quando há reencontros.
Os grandes tapetes, com pequenas provocações colocadas pelos adultos, figuram como centros de aprendizagem e estimulam a interação entre todos os presentes, sem separação por idade. Os grandes colchões, onde se rebola, são locais de encontro. Poderão também tornar-se o local que substitui os berços gradeados, onde os mais pequenos ficam encarcerados e privados de comunicação?

Observo, naquele dia, na escola da periferia, as turmas, cada uma com cerca de 20 crianças dos 6 aos 10 anos, orientadas por um adulto. Organizam-se, preparam as suas atividades a pares e em pequeno grupo, escolhem os seus projetos de trabalho, discutem-nos com o adulto presente.
Frequentemente, procuram colegas dos outros grupos para propor trabalho em parceria. Estão num processo criativo que terá como resultado uma grande exposição para a comunidade, com o oceano como pano de fundo. Entretanto, algumas crianças explicam-me como se certificam da sua apropriação do currículo obrigatório, em momentos regulares.

Observo, naquela tarde, na pequena escola do centro da capital, a discussão entre crianças, em grupos de três ou quatro. Sessenta crianças dos 10 aos 13 anos misturam-se e lançam possibilidades de trabalho, discutem, alteram, mudam de grupo, afinam, lançam perguntas e consultam com alguma frequência os professores.
Pouco a pouco os grupos definem-se: orientaram-se pelo objeto que querem estudar, juntaram-se sem pensar em idade ou género, baseando-se nas discussões que tiveram. Semanalmente, vão aprofundar as questões que elaboraram. Sabem que os professores estão disponíveis para os orientar. Sabem que irão apresentar os seus trabalhos à comunidade, no prazo de um mês, em paralelo, numa espécie de minicongresso ao longo de duas tardes.
Para a assistência, a escolha revelar-se-á sempre difícil: as apresentações variam desde aspetos matemáticos e filosóficos do infinito, passando por lendas e mitologia, a ciência e a política relativa à bomba atómica, crianças no holocausto, até ao desenvolvimento de APPs. Um trabalho versa sobre o porquê de tosquiar certos cães, outro conta a história de jovens que lançaram uma atividade económica através de redes sociais. Aprende-se mais sobre tipos de personalidade e correntes de pensamento, na ciência e na fé.
Em conjunto, docentes e discentes gerem com entusiasmo os projetos e relacionam-nos com o currículo superiormente definido. Certificam-se da apropriação de utensílios matemáticos e linguísticos para dar forma aos projetos de trabalho que têm entre mãos.

Observo como se define o paradigma de comunicação, diferente do paradigma da instrução.
A instrução é da escola que exclui. Da escola que agrupa crianças por idade e por desvio certificado ao padrão estabelecido. Da escola que define ligações artificiais e as considera naturais. Da escola que abomina a ideia de que jovens de idades e saberes diferentes possam comunicar entre si. Da escola que origina comparações e classificações.
A comunicação abre possibilidade a uma escola que acolha a participação. Uma escola da aprendizagem dialogada. Uma escola que promove interações entre quem pensa e age diferente de cada outro. Da escola que acolhe a ideia de que jovens de idades e saberes diferentes comunicam entre si. Da escola que possibilita as ações das pessoas que se complementam.

Podemos imaginar a comunicação entre pessoas, sem considerar a heterogeneidade que as define? Podemos imaginar o trabalho de aprendizagem entre as crianças, sem considerar os obstáculos que a escola da instrução lhes coloca? Podemos imaginar uma sociedade plural sem considerar a facilitação da comunicação entre todos, removendo barreiras etárias?
Nestas escolas, imaginaram-no e consideraram-no. Iniciativas reconfortantes.

Pascal Paulus


  
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