The answer, my friend, is blowin’ in the wind. The answer is blowin’ in the wind... Assim começou uma carreira poética de qualidade inquestionável, a que o Prémio Nobel da Literatura 2016 faz justiça.
1. Os anos 1960, que quando tanto se fala de Bob Dylan é necessário recuperar, foram uma época de grandes conflitos, envolvendo estudantes, operários, minorias étnicas e mulheres – o objetivo era a luta contra o autoritarismo, a ordem estabelecida e os valores dominantes. No movimento estudantil, a contestação traduzia-se na recusa de uma cultura autoritária, acrítica; no movimento operário, resolvia-se no combate à exploração do patronato; no movimento das minorias, como os negros, expressava-se na luta contra a segregação racial e a favor de (melhores) empregos; no movimento feminista, manifestava-se como recusa de um padrão ético-sexual machista. O fenómeno teve expressões heterogéneas, tocou países geograficamente (e ideologicamente) distintos e estendeu-se às décadas seguintes. As primeiras manifestações sérias ocorreram em Berkeley (1964), com a ocupação da universidade: os estudantes queriam ter voz pedagogicamente e transformar a universidade num lugar de debate dos problemas sociais, políticos e económicos dos Estados Unidos da América. A contestação deslocou-se em seguida para a questão da discriminação racial, para a defesa dos direitos civis e para a recusa da guerra no Vietname. Daqui resultaram costumes mais livres, relações sociais mais flexíveis, uma cultura mais aberta e crítica, isto é, os anos ‘60 provocaram uma verdadeira revolução em todos os campos da vida quotidiana. Uma das componentes deste universo cultural foi o aparecimento de um novo sistema musical – a música já tinha conhecido uma notável difusão através da rádio, mas, com o aperfeiçoamento dos meios de reprodução, a evolução foi ainda maior.
2. Os anos ‘60 foram também a idade do consumismo, sendo que os produtos mais consumidos eram roupas, eletrodomésticos, automóveis. Este crescimento do comércio é favorecido pela publicidade, sendo nesta fase que a televisão começa a ser prevalente: a possibilidade de mostrar eventos em tempo real, por exemplo, levou o espetáculo para o interior das casas, criou novos hábitos familiares e uma nova cultura em que a imagem se sobrepõe à palavra escrita. Estas alterações conduziram a uma arte que vai adaptar-se às exigências do novo universo cultural: a chamada Pop Art. Na pintura torna-se quase impossível discernir aquilo que se deve ao autor e aquilo que provém do mundo exterior. Como se sabe, nos alvores dos anos ‘60 tudo começa a mudar, afastando-se – há, pelo menos, essa ideia – o temor de uma guerra atómica imediata: aumenta o grau de aprovação da tecnologia, vista como fonte de abundância e riqueza, e desencadeia-se o boom industrial. Entende-se que seria melhor para os artistas deixarem-se tocar pelo progresso, representado pelos objetos produzidos em massa pela indústria. São esses objetos que entram nas telas, objetos que já não pertencem à natureza, que vêm do ciclo produtivo do homem, voluntariamente fabricados para satisfazer necessidades massificadas, são mercadorias – eis uma arte que exalta os objetos industriais, potenciando-os artisticamente, dando-lhes um sentido inesperado por via de um processo de livre associação.
3. A contestação não se esgotava nos modelos que investiam as formas mais tradicionais, tendo encontrado na música outro poderoso canal de difusão. O modelo que se desenvolveu contemporaneamente à beat generation foi o rock’n’roll, um tipo de música branca que se apresentava como um veículo anticonformista que punha em causa a música sentimental da época anterior. Assim se chegava a um ponto em que as diferentes formas de liberdade manifestadas na música, nos costumes (incluindo sexuais), na arte, se fundiam poderosamente. Ao movimento beat seguiu-se o hippie, especialmente ativo durante os anos de contestação à guerra do Vietname. Os maiores intérpretes do pacifismo e da solidariedade foram Joan Baez e Bob Dylan, deste sendo necessário citar “Blowin’in the Wind”, poema que abre com uma espécie de provocação à humanidade, que, não obstante 2.000 anos de evolução, ainda não tomou consciência da sua condição: o homem vagueia sem finalidade, até quando? Trata-se de um texto poético de grande expressividade, que consegue comprimir em três estrofes um conjunto de temáticas, valores e esperanças que marcam toda essa época. E assim se iniciou uma carreira (poética) cuja qualidade é inquestionável e a que o Prémio Nobel da Literatura faz justiça.
Salvato Teles de Menezes
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