Um país que terá perdido cerca de 200 mil jovens nos últimos anos e cuja população total vai voltar a descer até ao final de 2016 tem um futuro muito pouco risonho. Daqui não poderão sair os velhos, porque o mundo não ‘está para velhos’, a não ser para os velhos com dinheiro. A prioridade de quem governa desde há muito deveria ser a crise demográfica.
Portugal apresenta um envelhecimento populacional imenso. Em 1961 o índice era de 27,5%; em 2015 já era de 143,9% (Pordata). Estamos entre os países do mundo com população mais envelhecida. De há muito que esta não se renova, a não ser com alguma imigração (que também não chega para alterar o quadro geral). Associado ao problema demográfico está outro, de cariz cultural, tremendo e implacável: as novas gerações não podem ou não querem ‘tomar conta’ dos seus idosos. Perdeu-se algures o valor de ‘família’; prevalece – em tudo – a sociedade de espetáculo, as relações humanas mercantilizadas, o primado do ‘económico’, leia-se do que ‘dá dinheiro’. Os fenómenos culturais não são facilmente quantificáveis, porque dependem de uma variável conhecida por ‘vontade de...’ Sabem os militares profissionais que nenhum país ganha uma guerra se os seus soldados, por qualquer motivo, não tiverem vontade de combater. Mas como quantificar, ou prever a evolução da vontade? Podemos relatar factos como a ‘falta de vontade de cuidar dos idosos’. É alguma coisa, mas não explica. Um país que terá perdido cerca de 200 mil jovens nos últimos anos e cuja população total vai voltar a descer até ao final de 2016, tem um futuro muito pouco risonho. Daqui não poderão sair os velhos porque o mundo não ‘está para velhos’, a não ser, claro, para os velhos com dinheiro. A prioridade de quem governa, a prioridade política de Portugal, de há muito deveria ser reverter a crise demográfica. Mas não é! Conheço pessoalmente muitas pessoas, com rendimentos acima da média, cujos filhos emigraram, não vão voltar, farão falta ao país e aos seus pais. O problema é pequeno? Lembro pessoas que se riam disto há cerca de dez anos, tendo hoje os filhos no estrangeiro.
Tema que incomoda. Não compreendo como alguns portugueses se compadecem muito dos refugiados esquecendo os sem-abrigo que por aqui vivem. Não precisamos de nos deslocar a locais distantes para ir buscar refugiados, ficando indiferentes perante o drama da nossa juventude, dos nossos pobres, do que será, um dia, o nosso drama. Em 2014, segundo o Observador, “78.104 idosos estavam em lares, enquanto outros 76.188 usufruíam de apoio domiciliário”. Mas o que serão estes lares? Não são por certo (em muitos casos) o local onde vive uma família, ou onde se vive na nossa própria propriedade, à vontade e com liberdade. Infelizmente os lares tenderão a transformar-se no que chamo “velhários”, locais de enclausuramento de idosos, armazéns com poucos custos de funcionamento, organizações lucrativas como quaisquer outras. Em 2014, a Porto Canal noticiava: “Os lares e creches ilegais estão a aumentar em Portugal. A Associação de Lares de Idosos estima que existam cerca de três mil estabelecimentos clandestinos e pede um aumento da fiscalização.” Esta questão afetará a maioria dos portugueses. O envelhecimento populacional também afetará o Serviço Nacional de Saúde, o sistema educativo... Em resumo, tudo! Quem vive não ‘vai para novo’ e deve pensar no que será feito de si. Estará entregue a uma instituição de tipo prisional, sem direito a escolher a comida, sem poder ler de noite porque lhe cortam a luz? É provável. Para acolher cada vez mais idosos e ter lucro, não são muitas as possibilidades. Elas passam pela baixa qualidade dos estabelecimentos, pelos baixos salários de quem lá trabalha, pelo cercear dos direitos dos internados, que não terão, sequer, alguém que fale por eles, que os visite, que minimamente os proteja. Neste pequeno país não há quem povoe o interior; Portugal envelhece, caminha para a morte, enquanto os seus poucos jovens emigram para sempre. Creio que já nem adianta falar sobre este tema, que incomoda.
Carlos Mota
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