Espera-se que, em democracia, a Escola tenha um papel central na promoção da igualdade de oportunidades e no combate a todas as formas de preconceito e de discriminação. Mas em que medida as novas vagas racistas e xenófobas podem comprometer o papel esperado da Escola?
1. Donald Trump ganhou as eleições na América. Surpresa? Talvez não... É inquietante que uma parte significativa dos eleitores tenha aderido a todo ou mesmo a uma parte do seu discurso racista, xenófobo e misógino e ao lema triunfalista “Make America great again”. Por mais que o discurso de Trump possa vir a mudar para se ajustar ao realismo da função presidencial, a verdade é que a maioria dos eleitores americanos aderiu ao seu conteúdo eleitoralista, cujas mensagens vão permanecer e, possivelmente, aprofundar-se e alastrar. A estratégia de Trump foi simples e oportunista. Utilizou o impacto emocional da culpabilização do ‘outro’, apontando explicitamente os “não brancos”, “não americanos”, como responsáveis por muitos dos males dos “verdadeiros” americanos. A mais de um mês das eleições, Thomas Piketty escrevia que Trump “exacerba o conflito racial e identitário para evitar o conflito de classe”, “explica aos brancos derrotados pela globalização que o seu inimigo são os negros pobres, os imigrantes, os mexicanos ou os muçulmanos”. Explora as clivagens étnicas, a “ideologia de uma fortuna bem merecida” e a predominância do “mercado e da propriedade privada” (Visão, 27.09.2016). Além de ter jogado com aquelas clivagens e focalizado nas minorias e imigrantes as causas dos males dos americanos desfavorecidos pela globalização, Trump captou e utilizou a profunda insatisfação de consideráveis franjas das classes baixa e média, em relação aos políticos e às formas tradicionais de fazer política. É provável que a eleição de Trump estimule e dê suporte a movimentos racistas e xenófobos, em crescimento ou já politicamente instalados na Europa; em alguns países já com governos em exercício e noutros com óbvios indícios de que tais ideologias podem vencer em próximas eleições.
2. Espera-se que, em democracia, a Escola tenha um papel central na promoção da igualdade de oportunidades e no combate a todas as formas de preconceito e de discriminação. Mas em que medida estas novas vagas racistas e xenófobas podem comprometer o papel esperado da Escola? Em tal clima, a Escola não está isenta de influências e pressões políticas, ou da comunidade, que possam colocar em questão prioridades educativas em clima de democracia. E assim é a própria democracia que passa a estar em questão. Hoje, num contexto em que seria indispensável repensar e reforçar os modos de lidar com a diversidade no sentido da sua inclusão na Escola e na sociedade, parece existir algum silêncio, omissão, ou talvez indecisão, no que se refere à definição de políticas específicas orientadas para aqueles fins. Na verdade, as respostas da Escola à necessidade de promover a inclusão e a igualdade cultural e racial têm-se confrontado, desde sempre, com grandes dificuldades. Tal explica, em parte, que as políticas intermulticulturais seguidas nas sociedades ocidentais não tenham, frequentemente, sido consensuais, quer à direita, quer à esquerda. Por exemplo, à esquerda, aquelas políticas eram vistas como meios de submissão e controlo dos imigrantes e das minorias e não tinham em conta as bases estruturais – ideológicas, históricas e sociais – das diversas formas de discriminação racial e cultural. À direita, entendia-se que, através da discriminação positiva, favoreciam mais os não nacionais e não brancos. Para outros, faltou ao intermulticulturalismo uma orientação que, da mesma forma que promovia direitos, fosse intransigente em relação às obrigações das minorias face às normas das sociedades de acolhimento.
3. O reconhecimento da existência destas e muitas outras críticas às políticas de inclusão e dos resultados de muita investigação neste domínio teriam permitido a realização de ajustamentos mais corajosos de modo a responder, de formas mais adequadas e realistas, aos acontecimentos e às necessidades de inclusão na sociedade e na escola. Não foi isso que aconteceu. Evocando a insuficiência dos produtos de décadas de intermulticulturalismo face a situações de fundamentalismo e de insegurança na Europa, alguns políticos com forte poder de decisão (Merkel, Cameron, etc.), declararam explicitamente, já há alguns anos, a sua falência. Desde então, e com o mesmo tom, aumentaram as vozes de responsáveis políticos sobre o tema, ao mesmo tempo que foi caindo uma cortina que não permite ver e/ou perceber com clareza quais as alternativas – se as há – face a esta realidade que, na verdade, não só não se alterou como tem vindo a agravar-se e a tornar-se mais visível.
Carlos Cardoso
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