No seu discurso de tomada de posse, o presidente Franklin Roosevelt afirmava, em 1933, que “a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo”. Não parece ter sido isso o que aconteceu nas últimas eleições americanas – uma parte significativa do eleitorado de Trump terá votado como consequência da manipulação pelo medo.
Há mais ou menos três décadas, temos vindo a assistir ao acentuar de uma tendência política, cultural e educacional percebida e consubstanciada como uma guinada à direita em vários países e regiões do mundo. No campo da análise das políticas para a educação, isso foi, nos anos 80, caracterizado como uma espécie de “modernização conservadora”. Com fundamentações teóricas e empíricas várias, temos hoje uma vasta e heterogénea bibliografia na qual se podem perceber as especificidades nacionais de uma crescente hegemonia da chamada nova direita (ver, por exemplo, Michael Apple, Educando à Direita, 2003) Nos Estados Unidos da América, como explica Apple, este melting pot inclui pelo menos quatro grupos relativamente distintos, ainda que capazes de articulações e convergências conjunturais: os neoliberais, os neoconservadores, a classe média dos profissionais e os populistas autoritários. Estes últimos fazem apelo a grupos sociais ressentidos e penalizados por promessas não cumpridas, sendo facilmente seduzidos pelo estilo mais ou menos carismático de um líder e/ou pela manipulação de slogans frequentemente contraditórios e nem sempre associáveis a uma ideologia política. A este propósito, penso que a eleição de Donald Trump foi sobretudo uma expressão do populismo autoritário que tem tido manifestações recentes, mas não necessariamente coincidentes, também em países europeus, como a França, a Áustria, a Hungria, a Turquia... Com este acontecimento, que revela de forma contundente como a fraqueza da democracia está (também) na falta de qualidade democrática das decisões, atualiza-se a reflexão de Tony Judt quando escreve: “O problema é que hoje vivemos em uma época em que ilusões, desilusões e ódios ocupam a posição de destaque” (Pensando o Século XX, 2014). Eu acredito profundamente, também por isso, que a educação continua a ser e será sempre o melhor antídoto contra estes e tantos outros sentimentos obscuros e nefastos.
Trump e a educação. Com uma visão acintosamente antidemocrática, tecnocrática, pragmática e completamente acrítica, não foi por acaso que, da parte de Trump, as ideias e propostas para a educação foram muito pouco abordadas na campanha americana para a presidência, tendo o assunto ficado completamente secundarizado pela prioridade dada às questões da segurança e aos negócios, à mistura com ataques pessoais a Hillary Clinton, aos emigrantes, às mulheres e a grupos étnicos, culturais e religiosos... Do pouco que se sabe, a demagogia de Trump prometeu um sistema educativo onde a competição entre escolas e a liberdade de escolha vão continuar a ditar as regras e sair reforçadas, sugerindo que as crianças pobres aproveitarão essa oportunidade porque terão vouchers para poder escolher a melhor escola. Este apelo aos excluídos, aos pobres, aos desempregados, é, aliás, um traço comum a alguns populismos autoritários, como se viu recentemente nos EUA, ao contrário do que transparece em discursos de partidos europeus populistas de direita, nos quais, por exemplo, a crise dos refugiados tem sido aproveitada para justificar mais exclusões e reforçar processos de estigmatização isolacionistas. Para além do senso comum, que frequentemente os trata de forma pejorativa, os populismos, no entanto, são vários, quer de direita, quer de esquerda, como mostra Ernesto Laclau, em A Razão Populista (2013). Seja como for, sem melhor e mais justa escolaridade, e sem mais e melhor educação, dificilmente podemos perceber criticamente as diferenças entre populismos (ou outras ideologias), e ser capazes de refletir sobre o medo – um outro importante instrumento de manipulação dos populismos autoritários. Se no seu discurso de tomada de posse o Presidente Franklin Roosevelt afirmava, em 1933, que “a única coisa que devemos ter medo é do próprio medo”, não parece ter sido isso que aconteceu nestas eleições americanas. Estou convencido de que uma parte significativa do eleitorado de Trump votou como consequência da manipulação pelo medo, sendo certo que, “hoje em dia, é muito mais provável os políticos aconselharem as pessoas a ter medo de tudo e não só do próprio medo” (Frank Furedi em Os Lugares (Im)possíveis da Cidadania, org. José Manuel Mendes & Pedro Araújo, 2012).
Almerindo Janela Afonso
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