A Escola da modernidade em que continuamos a viver e a educar veio para ficar e por muitos mais séculos, sendo impossível transformar a sua essência. As sociedades do futuro poderão, eventualmente, conceber outras formas de ensinar tudo a todos, mas a educação escolar, como Durkheim a definiu, dificilmente será ultrapassada.
Uma das razões que me levou a ser profissional da educação (já lá vão quase quatro décadas) foi a crença nas potencialidades da Escola em produzir mudanças efetivas na sociedade e na possibilidade de contribuir para essa mudança – e igualmente para a mudança de uma instituição em que era muito difícil viver com prazer. A Escola que conheci em criança era uma escola bondosa para muito poucos e seletiva, punitiva, cruel e disciplinadora para a maioria, expulsando-a o mais rapidamente possível do seu seio. A Escola que todos conhecemos e que chegou até nós, de facto, sofreu profundas mudanças, sobretudo ao longo da segunda metade do século XX. Mas as críticas às funções que sempre foi chamada a desempenhar na maioria das sociedades continuam a estar no centro das agendas políticas, científicas e pedagógicas. Ao longo de todo o século XX foram vários os movimentos pedagógicos que emergiram e que tinham como agenda central promover essa mudança de uma escola que alguns afirmavam ter sido construída por obra do “diabo” (Adolphe Ferrière), destinada a disciplinar de um modo violento todos aqueles que a ela acedessem, sobretudo os oriundos das classes subalternas – como agora se costumam designar as classes trabalhadoras. Desde a chamada Escola Nova (ou Educação Nova), “movimento” profundamente heterogéneo de um ponto de vista político-pedagógico, como sabemos, até ao “movimento da Pedagogia Institucional” em França – para referir apenas os que mais significado tiveram para o meu percurso profissional no domínio da crítica realizada a partir de uma perspetiva eminentemente pedagógica –, muitos foram os trabalhos de referência que apresentavam propostas concretas no sentido de mudar a Escola, essa instituição que a modernidade permitiu edificar e que sempre teve como característica essencial aquilo que ficou conhecido por “modelo escolar”, que tinha (e tem) como “método” o que Coménio definiu na «Didactica Magna» como a forma de ‘ensinar tudo a todos’ e que veio a tornar-se a base da moderna forma de organização do trabalho escolar: ‘ensinar a muitos como se ensinava a um’ (João Barroso).
“Cuidado! Ela vinga-se!” O discurso – político, mas sobretudo pedagógico – sobre a mudança da Escola tem sido recorrente ao longo do século XX, tendo mesmo conduzido alguns dos seus críticos a propor o ‘fim das escolas’ («Desescolarização da Sociedade» ou «Sociedade sem Escolas», Ivan Illich). A propósito das críticas a que a Escola da modernidade sempre esteve sujeita e do modo como ela tem vindo a responder às contínuas mudanças sociais que todos somos chamados a viver, dizia alguém com um sentido apurado de ironia: “Cuidado! Ela vinga-se!” Com efeito, a escola obrigatória de três e quatro anos do início dos anos 60 passou a ser uma escola obrigatória de 12 anos na primeira década do século XXI. Por outro lado, os ‘modos de trabalho pedagógico’ sempre hegemónicos na Escola da modernidade passaram a ser igualmente hegemónicos em contextos educativos não formais. No entanto, importantes pensadores atuais continuam a prometer-nos uma nova Escola já nas próximas duas décadas! E essa nova escola seria o produto de mudanças suscitadas pelo domínio da pedagogia... A tese que defendemos é que a Escola da modernidade em que continuamos a viver e a educar(mo-nos) veio para ficar e por muitos mais séculos ainda, sendo impossível transformar a sua essência. As sociedades do futuro poderão, eventualmente, vir a conceber outras formas de ‘ensinar tudo a todos’, de acordo com outros modos de trabalho pedagógico (individuais e/ou coletivos), mas a “ação exercida por uma geração adulta sobre as que ainda não se encontram amadurecidas para a vida em sociedade”, tal como Durkheim definiu a educação escolar, dificilmente será ultrapassada. A Escola da modernidade constitui uma das mais importantes invenções da humanidade, que devemos continuar a melhorar de modo a que possa servir exemplarmente a todos, contribuindo para a diminuição das desigualdades sociais e a emergência de sociedades mais justas.
Manuel António Silva
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