É defendendo a educação enquanto direito humano promotor dos demais direitos que situamos as bases éticas da edificação da metodologia de intervenção característica da Educação Social, que é complexa e se encontra em permanente construção, porque se trata de intervir localmente sem insularizar as problemáticas da questão social.
Do património de conhecimentos construído no âmbito da teoria política, sabemos que, independentemente da regulação social poder apresentar algumas cristalizações em certos contextos históricos, ela é “matricialmente uma teoria da mudança social” (Joaquim Azevedo, 2009). Por outras palavras, a regulação real, advém sempre de equilíbrios instáveis que resultam do confronto dos vários tipos de poder social, o que coloca em evidência a importância de saber ler o mundo em concomitância a saber ler a palavra (Paulo Freire e Donaldo Macedo, 1994), isto na medida em que a emancipação social obtém-se pela capacidade de participação crítica e de criação de compromissos sociais entre os diversos atores de uma formação social. Portanto, como sublinha Isabel Baptista (2007), “eleger a educação como uma das prioridades de intervenção social significa a sua inserção num quadro amplo de discussão pública onde ela surge, obrigatoriamente, combinada com uma economia, uma história, uma cultura, uma geografia – uma política”. Neste sentido, e assumindo um entendimento em que “o educador social é um político e a educação é um dos caminhos para se compreender como o poder se dá na sociedade” (Cássio Marques e Francisco Evangelista, 2010), emerge a questão da importância de o educador social saber aprofundar a autorreflexividade de maneira a exercer a sua intervenção de modo conscientizado, mas também de modo democrático. Ou seja, como sustentou Paulo Freire, o educador não reacionário tem a preocupação de refletir, criticamente, sobre a sua prática, desenvolvendo um modo de “estar sendo” que, em educação, considera ser a chave para que o educador ganhe consciência do sentido político da sua prática educativa. Como ele afirmou, “não sendo neutra, a prática educativa, a formação humana, implica opções, ruturas, decisões, estar com e pôr-se contra, a favor de algum sonho e contra outro, a favor de alguém e contra alguém” (Paulo Freire, 1997). Daqui nasceu o seu conceito de politicidade da educação, que no pensamento freiriano assume os contornos de uma ética democrática e radical, fortemente necessária para quem deseje posicionar-se, como propõe Caride Gómez (2011), “a favor de um novo vínculo pedagógico e social”, visando a busca de sociedades democráticas mais consolidadas e capazes de não abrir mão de uma “convivência plural e tolerante, que seja livre, justa, equitativa e pacífica”.
Saber ler as problemáticas. Trata-se de priorizar a ação de refletir em torno da complexidade da atual intervenção socioeducativa em contextos de globalização económica de cariz conservador, na qual a nova direita assumiu autocraticamente o modelar dos contornos ideológicos que influenciam a agenda educacional, parecendo estar apostados em bloquear “a educação que queremos” tal como a têm vindo a reivindicar os grupos temáticos do Fórum Social Mundial, movidos pela autonomia crítica de denunciar para anunciar, por exemplo, que “outro futuro é possível” e que, para tal, “o desenvolvimento de uma subjetividade crítica é um aspeto central na construção de uma pedagogia cidadã na atual conjuntura” (Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo Fórum Social Mundial, 2012). É, portanto, defendendo a educação enquanto direito humano promotor dos demais direitos que situamos as bases éticas da edificação da metodologia de intervenção característica da Educação Social, que é claramente complexa e se encontra necessariamente em permanente construção, porque se trata de intervir localmente sem insularizar as problemáticas da questão social, nomeadamente as que resultam da estratificação social – como são a exclusão, a marginalização ou a pobreza, entre outras – e as que se relacionam com populações e dinâmicas específicas dentro de uma dada formação social, como são a população idosa, imigrante, reclusa, com deficiências, as toxicodependências, os desempregados, os sem-abrigo, a questão de género, os vários tipos de violência e situações de risco, só para referir alguns casos que representam a vasta área de intervenção da educação social. Ora, é precisamente o desafio de saber ler as problemáticas da questão social – sempre inscritas num quadro geopolítico que interrelaciona o local, o nacional e o supranacional – numa teia complexa que representa, a nosso ver, a chave para o aumento do poder coletivo. Este aspeto tem relevância sobretudo num contexto atual em que o Estado está a transferir responsabilidades, mas não poder, para novos atores sociais, induzindo através desse processo novas representações em torno da noção de bem-estar-social e de bem-público.
Rosanna Barros
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