Página  >  Opinião  >  Focas e soldados

Focas e soldados

Este texto levanta uma série de questões que persistem. A seleção natural é positiva, negativa ou neutra, em termos éticos? Sabemos interpretar as lutas entre animais, mas continuamos a não interpretar cabalmente as intermináveis lutas entre humanos.

Adoro os programas de televisão sobre a vida dos animais. Vêm-me à memória as imagens de um combate entre duas focas machos que se batem por uma fêmea. Os golpes são duros, mas a voz off do apresentador tranquiliza-me. “Aqui não se mata. Desde que o sangue começa a escorrer, a luta cessa. O vencedor não atormenta o vencido que abdica da luta.” “Graças ao progresso dos conhecimentos científicos”, prossegue o comentador, “já sabemos interpretar estas lutas, aparentemente tão cruéis. Temos de ver nelas manifestações da seleção natural, o mecanismo da evolução das espécies, desde a bactéria ao ser humano”. Ligo para outro canal e como tudo fica diferente!
Emite uma retrospetiva histórica da guerra de 1914-1918. Aqui mata-se. Em longas filas, as macas são levadas até às trincheiras; o comentador fala do desespero destes homens, forçados a sair, de arma em punho, sob o fogo das metralhadoras inimigas. E o absurdo desta guerra inútil e interminável, que não tem mais razões para acabar do que tivera para começar. Pergunta ingénua: não serão estes belos soldados, que marcham para o açougue, o produto dos admiráveis mecanismos da seleção natural, tal como os bebés focas? (Hubert Reeves, «A Hora do Deslumbramento»).
Este texto levanta uma série de questões que persistem. A seleção natural é positiva, negativa ou neutra, em termos éticos? Sabemos interpretar as lutas entre animais, mas continuamos a não interpretar cabalmente as intermináveis lutas entre humanos. Pode dizer-se que é natural. Ao estudar o ‘homem’, o estudioso estuda-se a si mesmo, há uma sobreposição sujeito-objeto, que não sucede nos estudos sobre a natureza em geral. Pode argumentar-se que não é o mesmo o ‘homem’ que estuda a Humanidade. Esse homem estuda outros homens. Mas seja lá o que isso for, partilha com os outros homens uma caraterística: a Humanidade.
Um conjunto pode definir-se por extensão (enumerando os seus elementos) ou por compreensão, enunciando uma propriedade comum aos seus elementos. Porquê falar do desespero dos soldados, “forçados a sair, de arma em punho, sob o fogo das metralhadoras inimigas”? Se são forçados, por que não se revoltam? E as focas, são ‘forçadas’ (bem como os outros animais) a abster-se de matar dentro da sua espécie? Os humanos descobriram que o assassínio intraespecífico é seu apanágio. Saberão por que razão? Sempre houve guerras e violência, sempre houve desigualdades (daí a cadeia hierárquica); sempre houve “muitos com pouco e poucos com muito”. Temos hoje uma situação complexa – porque remete para indeterminações – em termos do nosso destino. Procure num motor de busca o vídeo “Universitários americanos falam sobre identidade de género” – verá estudantes da Universidade de Washington concordarem com a hipótese de um entrevistador caucasiano de 1,79m ser uma mulher chinesa de 2m.

Carlos Mota


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo