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Proposta modesta para dissipar confusão crónica

Como se diz, em português de Portugal:
(A) 1 000 000 (106)? Um milhão.
(B) 1 000 000 000 (109)? Mil milhões (ou um milhar de milhões).
(C) 1 000 000 000 000 (1012)? Um bilião.
(D) 1 000 000 000 000 000 (1015)? Mil biliões.
(E) 1 000 000 000 000 000 000 (1018)? Um trilião.
(F) 1 000 000 000 000 000 000 000 (1021)? Mil triliões.
(G) 1 000 000 000 000 000 000 000 000 (1024)? Um quatrilião.
Temos ainda o quintilião (1030), o sextilião (1036), o septilião (1042), o octilião (1048) e o nonilião (1054).

Como se constata, cada número de B a G é mil vezes maior do que o anterior e o nome dos números muda de seis em seis zeros. Esta nomenclatura, a escala longa dos grandes números, vigora em quase todos os países da Europa continental. É simples e fácil de entender para qualquer falante português da língua portuguesa, salvo se for economista ou banqueiro. Para os economistas e banqueiros, ou para muitos deles, porque há exceções, simples e fácil é dizer um bilião relativamente a (B); um trilião relativamente a (C); um quatrilião relativamente a (D); um quintilião relativamente a (E), um sextilião relativamente a (F) um septilião relativamente a (G).
Porquê? Porque a maioria dos economistas e dos banqueiros fala economês. E em economês, uma gíria ad usum delphini, o vocabulário utilizado é quase todo importado do Inglês e, havendo dúvidas, da sua variante americana, que fala mais alto do que todas as outras. Ora, nos EUA vigora a escala curta para a nomenclatura dos grandes números, em que cada número da lista é mil vezes maior do que o anterior (mais três zeros), mas muda de nome de cada vez que isso sucede. Por isso, a partir de (B), os utentes do economês começam a falar dos grandes números com palavras portuguesas, dando-lhes porém um significado que não têm, mas que, para eles, faz todo o sentido, porque as pensam em Inglês americano.
Quando dizem um bilião (1012), querem de facto dizer one billion (109) ou um bilhão, como no Brasil. Quando dizem um trilião (1018) querem de facto dizer one trillion (1012) ou um trilhão (como no Brasil). Quando dizem um quatrilião (1024) querem de facto dizer one quadrillion (1015) ou um quatrilhão (como no Brasil), quando dizem um quintilião (1030) querem de facto dizer one quintilion (1018) ou um quintilhão ou um quinquilhão (como no Brasil). Isto tem alguma importância?

NÚMEROS BARALHAM. Não teria se os economistas e os banqueiros se limitassem a falar o seu economês uns com os outros. Mas eles falam para o mundo inteiro, todos os dias, e a comunicação social amplifica a sua voz como se fosse a voz dos deuses do Olimpo. Deste modo, a confusão espalha-se no público que os ouve e já se infiltrou nos dicionários e prontuários ortográficos. Há inclusive uma gramática de referência que refere o bilião (1012) como mil milhões (109). Os próprios economistas e banqueiros confundem-se a eles próprios com o que dizem, desconhecendo onde acaba o economês e começa o português.
Segundo Daniel Amaral (no Expresso), o motivo principal de confusão é o bilião. Este economista explicou que é muita a confusão no mundo financeiro entre o bilião e o billion, mesmo com escalas diferentes. Segundo ele, o bilião utilizado pelos seus colegas de ofício é o “americano” (isto é, o billion = 109). João Duque, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, confirma e acrescenta que a confusão entre o “bilião” dos economistas e o bilião do resto da população portuguesa “é um problema que se põe na informação financeira” (Expresso).
A confusão é patente nesta declaração de Carlos Santos Ferreira, presidente do BCP-Millenium: “A exposição do BCP-Millennium à dívida grega é de 700 milhões [de euros], menos de 1 por cento dos seus ativos, que são 100 biliões. (...) Comparados com os 140 biliões de dívida grega que tem o BCE [Banco Central Europeu] e, até, os 60 biliões detidos pelos bancos alemães...» (na TVI). Como observou o jornalista José Mário Costa, “nem o banco português, este ou qualquer outro, conta com 100 biliões de euros de , nem o BCE detém 140 biliões de dívida grega, nem a dos bancos alemães é de 60 biliões. É a habitual desatenção com a diferença entre o bilião [1012] e os mil milhões [109]. Uma abissal diferença de contas em que, está visto, nem um banqueiro consegue acertar” (Ai os biliões! Ciberdúvidas da Língua Portuguesa).
O economista e também banqueiro Silva Lopes, recentemente falecido, sabia fazer a destrinça: “Na economia um bilião com 9 zeros [leia-se, o billion do Inglês americano] é um número importante, enquanto o bilião com 12 zeros [leia-se, o bilião português ou, ainda há 42 anos, o billion do Inglês britânico] é pouco utilizado”. Para este banqueiro, “as confusões entre o bilião ‘europeu’ e o bilião ‘americano’ terminariam com a uniformização da linguagem. Nem que se tivesse de inventar outra palavra” (Expresso).

O MILHARDÃO. Sabemos o que uniformização da linguagem quer dizer, neste caso como em todos os outros: aceitar a lei do mais forte ou a do mais endinheirado, frequentemente encarnadas na mesma entidade. Significaria mudar da escala longa para a escala curta e alinhar o significado de todos os nomes portugueses dos grandes números pelos dos nomes americanos, como fez o Brasil há mais de 60 anos e o Reino Unido a partir de 1974. Mas inventar uma nova palavra (e uma só) parece-me ser uma boa ideia, mais do que não seja para não ficarmos à mercê do economês neste particular.
Proponho, pois, um novo nome a incluir na nomenclatura portuguesa dos grandes números: o milhardão (= 109 = mil milhões). Não se destina a substituir nenhum dos nomes existentes, mas tão-só a permitir aos economistas e banqueiros não fazerem figuras tristes quando confundem bilião com billion. Não lhes cobraremos nada se o utilizarem quando falam connosco. É absolutamente grátis, mesmo para aqueles que ensinam que nada é grátis.
Além disso, cumpre todos os requisitos necessários para o fim em vista: está impecavelmente construído de acordo com os recursos morfológicos da língua portuguesa; é uma palavra curta e fácil de pronunciar; e tem muitos primos mais velhos exatamente com o mesmo significado: o milliard francês, dinamarquês e norueguês; o miliard catalão, romeno, búlgaro, albanês e polaco; o milliárd húngaro; o miliardo italiano; o millardo castelhano; o milliarde alemão e austríaco; o miliarda checo, eslovaco e esloveno; o miljard holandês, sueco e estónio; o miljards letão; o milijarda sérvio, esloveno, croata, bósnio, montenegrino e macedónio; o milijardas lituano; o miljardi finlandês e o miljarður islandês.

José Catarino Soares


  
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