Um organismo ministerial cuidará de promover e patrocinar tudo quanto leva à manifestação da identidade de um país, representada por uma história, uma filosofia, uma tradição e um desígnio. Tarefa difícil, porque se confronta com o imperialismo dos negócios e do poder e com a pusilanimidade das massas, mas também porque “educar a mente sem educar o coração, não é Educação”.
Também no domínio da Educação e da Cultura, quem pensar que só há uma espécie de homens que fazem falta (os que acrescentam algo de novo ao que já temos ou sabemos), ao ser confrontado com o currículo do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, há de esperar que com a sua ação, ainda que em área limitada, se altere, finalmente, o velho e costumeiro jogo do rapa na política partidária, em que o piorro governa segundo a prática do rapa-tira-deixa-põe. Para já, ao que parece, não está prisioneiro de “arcas encouradas” guardando feridas que não cicatrizam, como o seu antecessor, antes predisposto para “fingir que não nos damos conta/ do desprezo daninho a crescer à nossa volta”, já que “a conclusão final/ é que todos somos inteiramente dispensáveis”, como assevera num verso de um seu livro publicado recentemente. Na verdade, repita-se, há só uma espécie de homens que fazem falta: os que acrescentam algo de novo ao que já temos ou sabemos. O atual ministro é apresentado como tendo sido formado em Direito pela Universidade Nova de Lisboa, em 1954, ingressando, no ano seguinte, na carreira diplomática, que o levou a Luanda, Madrid, Paris, Rio de Janeiro, Budapeste e Nova Deli. Em 2010, ocupou a vaga de Manuel Maria Carrilho em Paris, como embaixador da UNESCO, e ultimamente representava Portugal no Conselho da Europa. A par de uma considerável obra literária em prosa e poesia, iniciada em 1983, é de crer que até agora não incorreu no ‘pecado’ de concluir, como Flaubert, que “o único meio de suportar a existência é o de aturdir-se na literatura como numa orgia perpétua” – ‘pecado’ que acomete muitos notáveis escritores a quem a literatura modificou a relação do homem consigo mesmo, parafraseando Eduardo Lourenço num artigo publicado num semanário português, “criando-lhes uma imagem sem a qual se pode dizer que não tinham imagem”. Calcorreador de uma considerável parte do mundo – incluindo aquela em que se fala a língua portuguesa, onde o mais importante acontece (para o bem e para o mal) –, não lhe foi preciso ir a Roma para ouvir o Papa Francisco dizer que “a sociedade está embriagada com o consumismo, a aparência e a extravagância”. Ele já tinha dito o mesmo, por outras palavras, num poema inédito, citado pelo Jornal de Letras: “O dinheiro nunca teve cor, mas agora não tem mundo nem maneiras.”
INSTRUIR E EDUCAR. Com tal background (passe o anglicismo), o embaixador-poeta está apetrechado para responder às exigências da defesa e propagação da Cultura portuguesa em Portugal (em conexão com o ensino) e no mundo, onde o turismo a confina com o interesse dos estrangeiros pela amenidade do clima, o calor das praias, o gosto da culinária, o bucolismo da paisagem e a hospitalidade dos indígenas. Um geógrafo-etnólogo diria que também isto são traves e alicerces da Cultura, como sendo tudo o que o homem junta à natureza, em atos e pensamentos. Mas um sociólogo acrescentaria que a Educação é o meio de alcançar a essência, servindo-se das práticas e das artes criativas. Ora, um organismo ministerial cuidará de promover e patrocinar tudo quanto leva à manifestação da identidade de um país, representada por uma história, uma filosofia, uma tradição e um desígnio. Diga-se que, neste aspeto, terá a contribuição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a confiar no seu pendor para transpor fronteiras e, como um griot em África, na sua aptidão para arauto dos verdadeiros ativos nacionais, que não incluirão a gloríola de fazer passar gatos por lebres. Tarefa difícil a de ambos os governantes, porque se confronta com o imperialismo dos negócios e do poder e com a pusilanimidade das massas, mas também porque, como já prelecionava Aristóteles, “educar a mente sem educar o coração, não é Educação”. Não pensando, certamente, em dicotomias existenciais, o grande filósofo do saber e do sentir só poderia querer dizer que também a sensibilidade modela a razão, pelo que – dizemos nós agora, contrariando alguns professores de ocasião – a uma Escola democrática tanto compete instruir como educar, não confinando na família o exclusivo de “educar o coração”. E por simples razões: a família é pobre, iletrada e socialmente desclassificada, e não tem meios nem recursos para livrar os filhos da obscuridade; ou é rica, instruída e socialmente classificada, e tem todas as possibilidades de dar aos filhos uma vida luminosa, igual ou melhor do que a dela própria. Só uma coisa é comum aos dois: a natureza do coração, feita do que se vê e sente, suscetível de levar o mais pequeno dos mortais a reagir como o poeta: “Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.”
Leonel Cosme
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