BATINAS HÁ MUITAS. E pecadores, ou criminosos, muitos mais. Severos no ajuizar da conduta alheia, quantas vezes prenhes pelos ouvidos, aliviamo-nos da perceção das nossas culpas à sombra das manhas que a subjetividade alimenta. Porém, a culpa rói-nos até ao tutano, dissimulada, maquilhada por gestos e palavras, ao ponto de nos afundarmos irreconhecíveis sempre que assobiamos para o lado ou aplaudimos por receio de sermos ferrados como ovelhas-negras. Ajoelhamos e fazemos a vénia ante os nossos mais desprezados juízes, engolindo o próprio silêncio, penitentes que só logramos ver argueiros na vista dos poderosos e acusamos de cegueira quantos ousam arrancar-nos a máscara. Respeitadores de leis, juramos a inocência que nos falta, crentes de mandamentos, nem ousamos cobiçar castrados no desconforto da carne. Vamos assim na procissão, por tradição, erguemos o punho, por ambição, e se, num momento de fraqueza, a honestidade nos seduz, somos dados como inimputáveis ou carentes da inteligência tão conforme o estatuto dos homens de bom sucesso. Não apetecem trabalhos forçados, arrependimentos, idolatrias, grades ou alucinações. A mentira, a verdade camuflada, aprendemo-la em jeito de eufemismos, de esquecimento ou do desrespeito pelas obrigações éticas da cidadania. Pecadores e criminosos, assim nos quer a ordem social, uns mais pecadores, outros tantos menos criminosos, enquanto pecamos para matar a fome ou roubamos para sustentar o banquete. E se, porventura, não houver argumento suficiente para nos fazer admitir as faltas que não cometemos ou provar desmandos pelos quais não fomos responsáveis, caímos nesse purgatório, nesse labirinto, na rede de malha fina destinados àqueles fora da fé e do braço da lei: os malcomportados. Pior sina do que a ignorância, maior submissão que a barra da justiça, as artes da difamação fazem obesa a coisa pública, onde tudo se digere com exceção da lucidez de espírito. Há laivos de sadomasoquismo coletivo no comportamento social, redimidos das nossas fragilidades por conta de credos e subserviências, e quantas vezes por conta de discursos cuja erudição foge ao escrutínio das pessoas simples: gato por lebre, cujos temperos justificam o elogio da ementa. Batinas há muitas, seus palermas. Desde tenra idade que as confissões nos são favoráveis, promissoras de perdões, mas a culpa entranhou-se a coberto do antagonismo entre bem e mal, sem que se nos exija a clarividência de notar que o mal, por vezes, usa e abusa da artimanha de vestir a indumentária do bem. Entregues com os nossos pecados ao julgamento dos poderes, abdicamos de nos conhecermos na singularidade da nossa natureza, mas ávidos de podermos deter uma porção desse poder, imaculados e irrepreensíveis na nossa imagem.
... FORA DO PENICO é fazer asneira da grossa. A minha bacia não era muito larga, apesar de fazer pouco de cada vez. Vamos tratando a uretra e usando um pouco a inteligência e a personalidade, como fontes de bom viver entre os outros, com os outros e para os outros. As prestações a gente pobre dão um minuto de pão e dois copos de alegria a muitas casas. Quando tiramos um naco de pão e bebemos um copo, apenas no nosso interesse, sem sermos convidados, fica um travo de amargura em cima da mesa.
Luís Vendeirinho
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