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Com a palavra, os alunos!

Eu acredito é na rapaziada... Os estudantes têm feito manifestações que desafiam o neoconservadorismo, renovando a esperança em uma juventude capaz de resistir a ameaças e golpes e atualizando aquele refrão de Gonzaguinha.

Segundo um velho ditado popular, em aula, “a palavra é de prata e o silêncio é de ouro”. Era a concepção de que a fala cabia ao professor e a expectativa era a de que os alunos ouvissem e obedecessem aos seus comandos. Falar sem ser solicitado era gesto de indisciplina e uma das atribuições fundamentais do professor era mantê-la com mão firme (havia quem dissesse “rédea curta”), com adequado manejo de classe, aqui sem aspas porque a expressão estava presente em diferentes documentos e manuais de didática.
Era a ditadura empresarial-militar, tempo de autoritarismo explícito, o que não impedia que os alunos questionassem o lugar a eles atribuído quando lhes era franqueada a palavra. Um deles, ainda criança, disse: “O aluno devia ser mais importante. A escola é feita prá gente. Se não tivesse aluno, o terreno ia ser usado pra outra coisa.”
De lá pra cá, inegáveis avanços e ameaças de retrocesso. Em se tratando do uso da palavra, o projeto “Escola Sem Partido” remete a um duro golpe na liberdade de expressão de professores e alunos. Supondo a neutralidade impossível, prevê uma espécie de escola sem ideologia, sem discussão, sem valores, sem educação.
Aprovado no Estado de Alagoas, o projeto tem sido objeto de embate nos demais. As bancadas evangélicas, por exemplo, alegam a existência de uma “doutrinação de esquerda” e chegam a propor penas para professores. Querem afastar quaisquer discussões políticas, como a de gênero, etc. Querem Adão e Eva em lugar de Darwin.
Enquanto isso, a precarização da educação pública tem enfrentado resistências dos sujeitos envolvidos. No Estado do Rio de Janeiro, os professores estão em greve por melhorias salariais e das condições de trabalho. Os alunos, em turmas superlotadas e com merenda empobrecida, não apenas têm se solidarizado, mas assumido a ocupação de cerca de 70 escolas, como já o tinham feito os de São Paulo e Goiás.

ESPERANÇA NA RAPAZIADA. Os alunos se auto-organizam de forma democrática na defesa de seus direitos, na perspectiva de uma educação emancipadora. Têm resistido a diferentes pressões, como cortes de luz, bem como socializado as consequências concretas das suas falas, produzindo melhorias no espaço físico e verificando que existem muitos recursos não distribuídos, como dicionários e livros didáticos.
Eles assumem a administração das escolas ocupadas. Divulgam listas de doações necessárias, limpam e cozinham, além de promoverem aulas com convidados e várias atividades culturais. Já o “diálogo” proposto pela Secretaria de Estado de Educação tem correspondido à decretação de férias antecipadas para as escolas ocupadas e à abertura da possibilidade de que parte dos alunos descontentes venha a obter transferência para unidades em funcionamento.
Como no Estado de São Paulo, a precarização envolve o desvio de verbas que seriam destinadas à merenda escolar, os alunos ocupam o plenário da Assembleia Legislativa para tentar conseguir as assinaturas necessárias à instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Uma das alunas, interpelada por uma autoridade, afirmou que aquela é a Casa do Povo e que, portanto, seu lugar também é lá.
Das salas de aula ao conjunto das escolas e a outros espaços públicos, enfrentando a tendência à criminalização dos movimentos sociais, os alunos têm dito e feito manifestações que desafiam o neoconservadorismo, renovando a esperança em uma juventude capaz de resistir a ameaças e golpes, atualizando a música de Gonzaguinha, “E vamos à luta” (1980), com o refrão Eu acredito é na rapaziada...

Raquel Goulart Barreto


  
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