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O direito dos adultos à educação

O discurso político-educativo da falta de qualificações dos portugueses não apenas desqualifica e apouca os portugueses, mas também tem contribuído para desqualificar as políticas educativas e enfraquecer a realização efetiva do direito dos adultos à educação. Uma política, mesmo que modesta, aberta à pluralidade de modalidades, atores, saberes e agendas, seria certamente mais eficaz do que as derivas utilitaristas que pouco, ou nada, têm de educação.

Com presença da UNESCO e expressiva participação internacional, realizou-se em finais de abril, em Brasília, o Seminário Internacional de Educação ao Longo da Vida e o balanço intermediário da VI Conferência Internacional de Educação de Adultos, genericamente designado CONFINTEA Brasil+6.
Semelhante iniciativa, em Portugal, seria tão urgente quanto improvável. Não fora o encontro nacional promovido, na mesma altura, pela Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente, bem como as iniciativas levadas a cabo pela Associação Portuguesa de Educação e Formação de Adultos, a par das ações de algumas associações e instituições de Ensino Superior, e bem se poderia afirmar que a educação de adultos portuguesa permanece totalmente fora do discurso público, como é hábito entre nós.
O governo português, ao contrário do governo do Estado espanhol, não se fez representar, em linha com o que ocorrera já com a ausência, ainda mais significativa, de um governante português na CONFINTEA VI, de 2009, realizada em Belém do Pará. Isso não impediu que Portugal tivesse subscrito o Marco de Ação de Belém, assim englobado na frase épica com que abre aquele documento: “Nós, os 144 Estados-Membros da UNESCO...”, reconhecendo formalmente a educação de adultos como “um componente essencial do direito à educação”. Mesmo quando o relatório nacional de 2009 se limitava à lógica das qualificações e ao reconhecimento de competências, incapaz de descrever as práticas de educação de adultos e o estado da arte no país, que era o que lhe solicitava a UNESCO.
Apesar da afirmação de valores inclusivos, emancipatórios, humanistas e democráticos, tal como da consagração de uma aprendizagem e educação de adultos abrangente, incluindo aspetos gerais, vocacionais, de alfabetização e educação da família, cidadania, entre muitas outras áreas que visam ampliar direitos e criar condições para que os cidadãos adultos “assumam o controlo de seus destinos”, as políticas e as práticas, entre nós, ficam irremediavelmente aquém.
Daí tem resultado uma apropriação retórica e seletiva da CONFINTEA VI, que aquele documento antecipa quando chama a atenção para “a frequente ausência da educação de adultos nas agendas de agências governamentais”. E ainda o quase completo desaparecimento do próprio conceito de educação de adultos no âmbito das políticas educativas, quase sempre para dar lugar aos lugares-comuns que em torno das “qualificações dos portugueses” se vão elaborando.

A REBOQUE DE DÉFICES E LACUNAS. Nada que também o texto da CONFINTEA VI não admita, criticando a fixação na capacitação profissional e vocacional: qualificações, competências, habilidades instrumentalmente orientadas para a competitividade económica. Esquecendo que os princípios antes invocados de forma eloquente não são compatíveis com o protagonismo, mais ou menos insular, da formação de seres humanos mais competitivos e úteis, dessa feita abdicando da contribuição para a constituição de pessoas mais humanas e livres. Insistindo, assim, em lógicas de modernização técnico-instrumental, de feição extensionista (como diria Paulo Freire), em vez de viabilizar dinâmicas de desenvolvimento sustentável, democrático, pessoal e comunitário.
Impressiona, para quem acompanha a educação de adultos em Portugal e as suas intermitências e contradições, como os governantes ainda não compreenderam a centralidade do direito à educação por parte da população adulta, especialmente nos casos em que tais governantes parecem assumir, discursivamente e a espaços, tal preocupação genérica. Quase sempre para vir a reduzir tudo, drasticamente, a programas emergenciais e a metas, especialmente em torno da população ativa, para a economia e o emprego, sob o lema do “défice” de qualificações, das “lacunas” dos portugueses e das respetivas crenças pedagogistas nas propriedades salvíficas da agora chamada formação vocacional.
Uma política estrutural e constante de educação de adultos, mesmo que modesta, mas consistente, aberta à pluralidade de modalidades, atores, saberes e agendas, seria certamente mais eficaz do que as derivas utilitaristas que pouco, ou nada, têm de educação.
O discurso político-educativo da falta de qualificações dos portugueses não apenas desqualifica e apouca os portugueses, mas também tem contribuído para desqualificar as políticas educativas e enfraquecer a realização efetiva do direito dos adultos à educação.

Licínio C. Lima


  
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