O alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano ou até aos 18 anos de idade, decidido em 2009, é uma medida de grande alcance, que inevitavelmente nos leva a refletir sobre o Ensino Secundário: a generalização dos cursos profissionais produziu efeitos que abriram reais perspetivas para o democratizar, contribuindo para consolidar a diversidade das suas ofertas e a sua identidade.
1. Importa começar por referir que a identidade do Ensino Secundário tem que se afirmar através da diversidade das suas ofertas de formação, incluindo os cursos do Ensino Artístico Especializado, os cursos profissionais e os cursos científico-humanísticos, e não excluindo outras possibilidades já existentes ou a criar. Consolidar a diversificação é condição essencial para que o Ensino Secundário seja realmente um ciclo de ensino aberto, plural e atrativo. Um ciclo de oportunidades que respondam às necessidades, às aspirações e às legítimas ambições dos jovens, qualificando-os para ingressarem no chamado mercado de trabalho e/ou para prosseguirem os seus estudos. Mas a identidade do Ensino Secundário tem que passar, também, por um sistema de acesso ao Ensino Superior em que as universidades e os institutos politécnicos assumam integralmente a responsabilidade pela seleção dos seus estudantes. Por uma diversidade de óbvias razões, o país precisa de um sistema de acesso mais consistente com a configuração atual do sistema escolar e de instituições de Ensino Superior melhor preparadas para enquadrar todos os estudantes que as procuram. E assim se poderá libertar o Ensino Secundário de uma situação que muito tem limitado a sua identidade.
2. A efetiva diversificação do Ensino Secundário exige que todas as ofertas sejam igualmente valorizadas, dignificadas e de elevada qualidade. É chegado o tempo em que, de uma vez por todas, se tem que entrar num decidido caminho de valorização e de credibilização dos cursos profissionais. Só assim, não tenho dúvidas, se poderão garantir dois importantes objetivos: o cumprimento da escolaridade obrigatória e a melhoria das qualificações dos jovens através do aumento do número dos que procuram o prosseguimento de estudos. Nestes termos, as políticas públicas de Educação têm que investir significativamente na formação dos professores das áreas técnicas, tecnológicas e artísticas, nos equipamentos, na orientação dos projetos de vida dos estudantes, na informação às famílias e à comunidade em geral, na conceção e desenvolvimento curricular e na clarificação das reais potencialidades dos cursos profissionais. É preciso trabalhar para mudar a pacóvia representação que insiste em valorizar a relação retórica e verbal com o conhecimento, desvalorizando ou desprezando uma relação mais concreta, mais prática se quisermos, com esse mesmo conhecimento. Mas esta mudança exige medidas de política que, tão rapidamente quanto possível, introduzam no sistema educativo mecanismos que contribuam para acabar de vez com preconceitos sem sentido, cujas consequências se têm traduzido em escolhas desajustadas por parte dos estudantes, na retenção e no abandono precoce. Tais medidas deverão permitir que os cursos profissionais contribuam decisivamente para que a escolaridade obrigatória seja efetivamente cumprida e para que o país possa ter uma oferta tão credível como qualquer outra.
3. Os dados disponíveis (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, PORDATA) mostram que, após a generalização dos cursos profissionais nas escolas secundárias públicas, em 2006/2007, começaram a ocorrer interessantes mudanças relacionadas com esta modalidade de ensino. O número de alunos que a frequentavam passou de 4.302 em 2006 para 66.269 em 2011, estando hoje perto dos 70 mil. A taxa real de escolarização, que nos anos 90 do século XX e no primeiro lustro deste século se manteve essencialmente abaixo dos 60 por cento, ultrapassou finalmente (!!!) este valor, passando a situar-se acima dos 70%. Em 2014, 22,7% dos alunos dos cursos profissionais eram oriundos de famílias em que o nível dominante de escolaridade da família era um curso superior e em que 35,4% eram filhos de empresários, dirigentes e profissionais liberais. A população estudantil que frequenta os cursos profissionais deixou de ser homogénea quanto à sua origem social. Ainda que a maioria continue a ser proveniente de camadas sociais menos favorecidas, a verdade é que essa situação tem vindo a alterar-se significativamente nos últimos anos.
4. A política de generalizar os cursos profissionais produziu efeitos que abriram reais perspetivas para democratizar o Ensino Secundário, contribuindo para consolidar a diversidade das suas ofertas e a sua identidade. Assim, parece incontornável que os cursos profissionais constituam uma modalidade de ensino de primeira linha, a todos os níveis, pois é aquela que, realisticamente, pode ter um papel mais determinante no cumprimento da escolaridade obrigatória, na qualificação dos jovens e na democratização real do sistema educativo português. Por isso mesmo, a agenda das políticas públicas de Educação não pode ignorar o decisivo desígnio de desenvolver as ações que se impõem para que os cursos profissionais tenham o reconhecimento e o lugar que lhes compete no sistema educativo e na sociedade portuguesa.
Domingos Fernandes
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