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Monique Berlioux

Quando se fala de desporto no feminino, geralmente, pensa-se nas mulheres como espetadoras, praticantes ou técnicas. Porém, a participação das mulheres no mundo do desporto deve ter também em consideração a sua situação como dirigentes amadoras ou profissionais, que podem e devem ser.
O problema é que, de uma maneira geral, a afirmação das mulheres nos mais diversos lugares de chefia não tem sido fácil. Se na história mundial ainda podem ser encontrados, entre outros, nomes como os de Indira Gandhi, Golda Meir, Margaret Thatcher ou Maria de Lurdes Pintasilgo, no mundo do desporto a sua ausência é confrangedora.
A ver bem, só em 1981 foram cooptadas as duas primeiras mulheres para o Comité Olímpico Internacional (COI): a venezuelana Flor Isava Fonseca e a norueguesa Pirjo Haeggman. O que significa que a maior organização desportiva à escala planetária foi, durante 87 anos, constituída e gerida exclusivamente por elementos do género masculino. Felizmente não existe regra sem exceção.
Monique Berlioux foi uma exceção. Tendo entrado para o COI em 1967, conseguiu, enquanto dirigente profissional, atingir o lugar de diretora-geral. Trabalhou com três presidentes. Começou com Avery Brundage, que, para a época, lhe proporcionou uma oportunidade absolutamente invulgar. Continuou com Michael Killanine, que lhe permitiu a ascensão ao poder máximo dentro da organização. Finalmente, depois de ajudar a eleger António Samaranch, foi por ele despedida ao cabo de cinco anos – como ela própria reconheceu mais tarde, cometeu um erro de cálculo: Samaranch era um franquista catalão que, sedento de poder e protagonismo, não podia aceitar que uma mulher, competente e com currículo invejável, lhe pudesse fazer alguma sombra.
Nos 18 anos em que esteve no COI, embora sujeita às cedências e às fraquezas próprias da condição humana, como se verificou com a confusão em que se deixou envolver relativamente à data da fundação do Comité Olímpico de Portugal, que ainda hoje persiste, a opinião geral é que Berlioux utilizou o poder com enorme competência, em defesa dos interesses do Movimento Olímpico Internacional (MOI), dos ideais olímpicos e da Carta Olímpica.
Monique nasceu no dia 22 de dezembro de 1923, em Metz (França). O pai, Victor Libotte, era belga e a mãe, Suzanne, francesa. Quando completou 10 anos começou a praticar natação, e aos 12 ganhou o primeiro campeonato nacional (100 metros costas).
Na sua carreira desportiva, que durou 14 anos, conquistou 40 títulos nacionais (costas) em diversas distâncias e nos 400 metros livres. Acabou por participar nos Jogos Olímpicos de 1948, em Londres. Infelizmente, não conseguiu melhor do que um sexto lugar, porque umas semanas antes foi acometida por uma apendicite. Podia ter ido aos Jogos de Helsínquia (1952), mas recusou, por motivos de um conflito com a sua federação. No ano seguinte ainda ganhou o Campeonato de França e terminou a sua carreira desportiva.
Nos anos de guerra, enquanto estudava na Sorbonne, Monique Berlioux foi repórter desportiva, tendo mais tarde chegado a trabalhar no France-Soir. Formou-se em Comunicação Social e, em 1948, obteve um Master of Arts. Antes de entrar para o COI, exerceu a profissão de jornalista.
Muito embora seja vice-presidente da Academia de Desporto desde 1979, Monique Berlioux, que nos anos ‘80 dominara o MOI, acabou por cair no esquecimento. Foi necessário o jornal Dernières Nouvelles d’Alsace publicar, a 30 de julho de 2012 (três dias depois dos Jogos Olímpicos 111 terem arrancado em Londres), publicar uma pequena entrevista, para que ela voltasse ao convívio dos que, das mais diversas maneiras, a conheciam.
E quando o jornalista lhe perguntou o que pensava dos Jogos de Londres’2012, Monique Berlioux limitou-se a dizer: “acho lamentável que em França não tenham convidado os antigos atletas, que em 1948 estiveram em Londres. Podiam ter feito um esforço”. A memória humana é fraca. Tal como Samaranch se esqueceu daquilo que Monique fizera por ele, os franceses esqueceram o prestígio que, pela sua competência, ela angariara para a França. Ao tempo dizia-se que, no seu estilo de liderança, utilizava um certo charme francês. Nunca mais, no COI, uma mulher voltou a ter o poder e o charme de Monique.
Segundo um estudo da Universidade de Loughborough, publicado em 2010, tanto os Comités Olímpicos Nacionais (CON) como as Federações Internacionais (FI) não tinham ainda atingido a quota de 20% de mulheres nas respetivas comissões executivas. Somente 4% dos CON e 3,2% das FI tinham mulheres como presidentes. E, no que diz respeito a secretários-gerais, os CON apresentavam uma taxa de 9% de mulheres e as FI 3,9%.
Portanto, ainda falta às mulheres percorrerem um longo caminho. Como disse o filósofo, uma andorinha não faz a primavera. Todavia, enquanto diretora-geral do COI, Monique Berlioux anunciou a primavera.

Gustavo Pires


  
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