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As lições de Matrix

Para o Paulo, parceiro de muitas ‘guerras’

No filme de ficção científica Matrix, máquinas poderosíssimas transformaram o planeta numa enorme simulação de computador onde os humanos só existem num mundo de sonho. Entre os “livres” que combatem este estado de coisas encontra-se Cypher, que abandona a luta seguindo uma revelação: ele prefere a simulação à realidade.
“Sei que este bife não existe”, diz, “sei que quando o ponho na minha boca, o Matrix está a dizer ao meu cérebro que é tenro e delicioso. Depois de nove anos, sabes do que eu me apercebi?”, Cypher mastiga o bife ostensivamente e suspira: “a ignorância é uma benção”.
A ignorância pode ser abençoada, mas não deixa de ser ignorância. Nos últimos tempos parece que chegamos a este futuro distópico e que Chyper entrou completamente nele. Os hambúrgueres têm carne de cavalo, o Armstrong mesmo dopado entrou no livro de recordes, Beyoncé fez playback quando cantou o hino na tomada de posse de Obama, Portugal, mesmo com juros fabulosos, regressou aos mercados, e até o Relvas foi convidado para dar uma conferência sobre jornalismo!
O que vemos, saboreamos ou ouvimos não é necessariamente o que obtemos. Em 2012, os 100 mais ricos do mundo ficaram mais ricos 200 mil milhões de euros. Agora valem 1,9 biliões de euros, apenas um pouco menos do que o PIB britânico. Isto não foi por acaso. É resultado directo das políticas aplicadas.
As políticas que fizeram os monarcas globais tão ricos são as mesmas que nos estão a espremer. Isto não era o que a teoria predizia. Frederich Hayek, Milton Friedman e os seus discípulos em milhares de escolas de Economia, o FMI, o Banco Mundial, a OCDE e quase todos os governos defendiam que menos impostos para os ricos protegiam os trabalhadores e redistribuiam a riqueza, e mais próspera ficaria toda a gente. Os apóstolos conduziram uma experiência de 30 anos, e os resultados estão à vista: falhanço total.
Não acredito que o crescimento económico contínuo seja sustentável e desejável. Mas se o crescimento é a nossa meta, não se pode fazer pior do que afastar os super-ricos dos constrangimentos da democracia.
O relatório anual da Conferência de Comércio e Desenvolvimento da ONU deveria ter sido o obituário do modelo neoliberal, pois mostra inequivocamente que as políticas levadas a cabo criaram efeitos contrários aos que se propunham. Desde os anos ‘80 do século passado, as políticas neoliberais levaram à queda do crescimento e ao aumento do desemprego. O notável crescimento a que assistimos nos anos ‘50, ‘60 e ‘70 do século passado foi possível pelo retirar de poder à elite, como resultado da crise dos anos ‘30 e da II Grande Guerra, levando a que os restantes 99% tivessem a oportunidade, sem precedentes, de exigir a redistribuição de rendimentos, gastos do Estado e Segurança Social, o que provocou uma melhoria generalizada das condições de vida.
O neoliberalismo foi uma tentativa de fazer voltar atrás estas reformas. Apoiada por multimilionários, os seus defensores tiveram um sucesso político extraordinário. Economicamente foi o que se sabe e vê.
Segundo a OCDE, os impostos tornaram-se regressivos, isto é, os ricos pagam menos, os pobres pagam mais. O resultado, clamavam os neoliberais, seria que a eficiência económica e o investimento subiriam, enriquecendo toda a gente. Aconteceu precisamente o contrário. Os impostos sobre os ricos e as empresas baixaram, o poder de compra da população diminuiu e os gastos do Estado também. O resultado foi que os investimentos caíram e as expectativas das empresas também.
Os neoliberais proclamavam ainda que a flexibilização dos salários e a estabilidade de emprego diminuiriam o desemprego, mas nos países desenvolvidos o desemprego subiu a níveis nunca vistos, acompanhado de uma queda generalizada dos salários. Lá se foi a teoria. Falhou pelas mesmas e óbvias razões: queda de salários, queda da procura, subida do desemprego.
As exigências dos super-ricos foram cobertas pelo manto diáfano de uma teoria económica sofisticada. O completo falhanço deste monstro à escala mundial não é impedimento de que se mantenha e repita. Isto não tem nada a ver com economia. Tem tudo a ver com Poder.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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