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Cinema e Filosofia

O cinema pode ser um recurso especial no processo de ensino/aprendizagem porque torna possíveis “realidades” irreais e abarca todas as dimensões da existência humana. A atividade filosófica faz dessas dimensões objeto de compreensão crítico-argumentativa.

Chegando ao século 21 como mais um artefato destinado à satisfação do belo em nossa sociedade, o cinema mantém ainda uma posição de destaque frente ao que é oferecido pela televisão e pelos modernos jogos virtuais.
Por ser uma forma de “imersão total”, de duração relativamente curta, realizada em um espaço público onde diversas obras circulam, é uma experiência concentrada e múltipla, e sendo assim, o filme possui um poderoso efeito de fechamento formal que explica o poder com que essa arte emite uma significação do mundo, um julgamento dos valores e um olhar distanciado – como que de fora – da estrutura da realidade. Essa vontade de significado está longe de se mostrar explicitamente, pois se faz mediante uma rede de construções conceituais que subjazem à ficção apresentada.
Nos dias atuais, a indústria cultural já está inteiramente posta. Por mais que discordemos e critiquemos, não podemos negar seu poder de difusão e massificação. Podemos afirmar que um imenso número de pessoas, ao menos uma vez, já assistiu um filme, seja no cinema ou na televisão. Porém, podemos afirmar que algo além da narrativa cinematográfica foi absorvido pelos espectadores? Ou que o mesmo número de pessoas já leu na íntegra, uma única vez que seja, um livro motivado pelo filme que assistiram? Que reflexão filosófica tem sido feita pelo cinema e como tal reflexão tem sido inserida no campo educacional?
Para almejar o efeito de colocar os dramas de nosso tempo, que na maior parte das vezes não são interpretados, em uma fugaz teleologia de cerca de duas horas de duração, o cinema mergulha no campo do debate filosófico, cujo trabalho é criticar as interpretações que lançamos à realidade, pondo em questão ideias e julgamentos que sequer percebíamos antes de começar a indagá-los.
Porque não pensar uma abordagem diferente sobre o lugar que o cinema deve ocupar na sala de aula? Na maioria das aulas onde são exibidos filmes, seu aproveitamento pedagógico é estrito, ou seja, trata-se apenas de uma forma de introduzir um tema particular de maneira definitiva, sem discussão. Por exemplo, em uma aula de história, normalmente utiliza-se um filme como recurso para demonstrar “como ocorreu o fato histórico”, ignorando-se quaisquer outras implicações contidas na película. As questões próprias que o filme traz em sua construção não vêm à luz.
Parece-nos que um caminho possível seria o de realizar uma abordagem intrínseca do filme, para que seja debatido o que nele é afirmado ou negado, julgado ou ignorado, condenado ou tolerado, que respostas assume para as indagações morais, ontológicas, epistemológicas e críticas da filosofia.
Partimos do pressuposto básico de que é possível estabelecer uma relação consistente e profícua entre Filosofia e Cinema, o que não significa que tenhamos fechado com essa decisão, delimitando dogmaticamente a questão.
Entendemos que o problema permanece aberto, bem longe de estar definitivamente resolvido. Cabe ressaltar ainda que o cinema entrará nesta nossa reflexão muito menos como objeto de estudo (enquanto objeto artístico) e muito mais como campo privilegiado, lugar onde, de maneira excelente e exemplar, o humano se manifesta por inteiro, plenamente.
Assim, o cinema pode ser concebido como um recurso especial no processo de ensino/aprendizagem por agregar de modo significativo imagem, movimento e linguagem. Especial, porque torna possível “realidades” irreais, traz presente o ausente, possibilita duvidar, tematizar o tempo, a verdade, a realidade, a dor, a angústia, o tédio, a violência, a morte, o amor, a felicidade, a justiça. Enfim, abarca todas as dimensões da existência humana. A atividade filosófica, por sua vez, faz dessas várias dimensões objeto de compreensão crítico-argumentativa.
O cinema cria um “mundo possível”, uma realidade ficcional que traz consigo a possibilidade do espectador vivenciar as mais diferenciadas situações. Ele pode apresentar questões até então não experienciadas e/ou problematizadas pelo sujeito. Sendo assim, acreditamos que o cinema pode suscitar no espectador a reflexão filosófica na medida em que a realidade ficcional é tomada como motivadora da atividade reflexiva, agregando, assim, ao entretenimento, valor estético e cognitivo.

José Miguel Lopes


  
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