Preferem bem-estar económico moderado, trabalho árduo, mas limitado, e liberdade, ou guerra económica permanente, depredação dos recursos humanos e materiais, aceleração do ritmo de trabalho e escravatura?
A História está cheia de dilemas. Edgar Morin notou um, particularmente grave: sendo a política aquilo que mais decide da vida humana, é, por outro lado, um campo de irracionalidade, falta de conhecimento técnico, abundância de oportunismo pessoal. Disse-o no livro «As Grandes Questões do Nosso Tempo», hoje já algo “antigo”. Mas o dilema humano é vastíssimo. O homem ocidental assume riscos, recusa a ideia de que “tudo está escrito”. Foi assim que se lançou aos mares de todo o planeta, transformando a Idade Média em algo novo – a Idade Moderna. O perigo, o risco, o individualismo e a noção de responsabilidade individual levaram à construção da sociedade capitalista. Com a Revolução Francesa, em 1789, a burguesia ascendeu ao poder e, em definitivo ligou poder económico e poder político. Nasceu assim a Idade Contemporânea. A classe média do capitalismo lutou pela liberdade, dessa forma lutando também por um tipo de democracia agora em agonia. Foi um processo natural. Em democracia existe difusão do poder. O poder não é incriticável, muito menos “divino”. A esta situação opõem-se os autoritários de todos os tipos, para os quais é necessária uma direção política centralizada (às vezes chegando-se ao poder de um só homem). Em nome do “povo” – uma entidade que de indefinível se torna mítica – retira-se ao mesmo “povo” a capacidade de decidir, porque é “melhor” para o “povo” que alguns decidam por ele, para o seu bem. E nisso todos os autoritarismos são idênticos. A dignidade humana, o movimento independentista e a noção de igualdade influenciaram líderes como Gandhi e Nehru, sendo no entanto os princípios de John Locke. Hoje, o dilema humano voltou. Basicamente, dizem-nos o seguinte: em vez de liberdade, que gera milhares (ou milhões) de decisões contraditórias, é mais “funcional” uma autoridade central. O atual capitalismo (se ainda existe capitalismo) impõe a austeridade aos cidadãos do Ocidente, aliando-se a uma estranha criatura – o “Comunismo” asiático, em especial o chinês. Esse “comunismo” é igualmente criação ocidental. Karl Marx fundiu Filosofia alemã, Economia inglesa e atitude revolucionária francesa. É verdade que Marx não viveu nem estudou na Ásia. Estudou na Alemanha e viveu e escreveu na Inglaterra. Hoje o paradoxo volta, com nova fúria. O «Comunismo», novamente, parece ser a forma mais eficaz de industrializar enormes espaços geopolíticos e demográficos com alucinante rapidez. Não é novidade. O Partido Comunista da União Soviética fez o mesmo. A diferença está no tão elogiado “pragmatismo chinês”. [note-se que o Pragmatismo, enquanto teoria filosófica, é norte-americano e defende que “verdadeiro é o que é útil”] Parece que um dirigente chinês terá dito que não importa a cor do gato, importa que cace ratos. O Partido Comunista da União Soviética não aderiu ao “industrialismo” americano. Com os anos, a União Soviética afastou-se sem remédio da promessa original de vida melhor e mais feliz, sem olhar a classe ou raça. Em 1991, a URSS desapareceu. A aliança entre o capital sem pátria (transnacional), proveniente principalmente da Europa Ocidental, do Japão e dos Estados Unidos, com o perverso sistema político chinês tem produzido sofrimento cujo fim não se vislumbra. Os trabalhadores ocidentais serão durante muito tempo confrontados com os baixíssimos salários chineses, e com o número de pessoas ainda passível de recrutar, na ordem das centenas de milhões, só nos campos da China. O dilema entre liberdade e autoridade permanece e podemos formulá-lo. A pergunta a fazer aos povos do planeta (mas que não será feita) seria: preferem bem-estar económico moderado, trabalho árduo, mas limitado, e liberdade, ou uma permanente guerra económica, a depredação dos recursos humanos e materiais, a aceleração do ritmo de trabalho e a escravatura?
Carlos Mota
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