A luta pelo direito à educação e a defesa da Escola Pública implicam a defesa do direito dos adultos a uma educação de qualidade, que tenha em conta as especificidades das pessoas a que se dirige, bem como a defesa do lugar que a Escola Pública não pode deixar de ocupar.
No âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades, muitas escolas públicas alargaram a sua intervenção à Educação e Formação de Adultos, assegurando o funcionamento de cerca de 200 centros Novas Oportunidades (CNO). Para as escolas e para os professores envolvidos foi, sem dúvida, uma experiência marcante, permitindo o desenvolvimento de novas lógicas de trabalho educativo, bem diferentes das do Ensino Recorrente agora ressuscitado, que nunca se mostraram adequadas aos públicos a que se dirigiam. Permitindo a valorização de aprendizagens experienciais realizadas pelos adultos em diferentes contextos, o reconhecimento de conhecimentos previamente adquiridos e a sua mobilização como ponto de partida para a aquisição de novos saberes, o trabalho realizado nos CNO constituiu uma fonte de ensinamentos, não apenas para o trabalho com adultos, mas também para com os mais jovens, permitindo outra reflexão sobre os processos e dinâmicas educativas. Além destas dimensões, o funcionamento dos CNO potenciou condições para uma maior ligação com as famílias de muitos alunos. Um espaço até então estranho para muitos pais e mães que, precocemente, tinham abandonado a escola e sobre a qual tinham, muitas vezes, memórias ou representações negativas, tornou-se um espaço conhecido, familiar, ao qual se deslocavam com prazer, abrindo caminho para uma nova relação com os professores dos filhos. Ao mesmo tempo, feitas as pazes com a escola, mais seguros de si e mais confiantes nos seus saberes, muitos foram, também, os que começaram a valorizar de outra forma a escolarização dos filhos e a sentir-se capazes de acompanhar mais de perto os seus percursos escolares. Vários testemunhos dão conta de algumas relações que se transformaram no interior de muitas famílias, com pais/mães e filhos/filhas a ajudarem-se mutuamente nos trabalhos de casa. A existência de CNO nas escolas traduziu-se ainda, quantas vezes, no maior estímulo para outra articulação entre a escola e o meio envolvente, permitindo um conhecimento muito mais sustentado e informado sobre a realidade social, económica e cultural em que vivem os alunos e as respetivas famílias. A necessidade de divulgação dos CNO e das suas atividades junto dos adultos e de os ganhar para novos percursos de formação levou as escolas ao contacto com as populações e as mais diversas entidades: coletividades, associações culturais e de bairro, empresas, autarquias, etc. A Escola aproximou-se da comunidade e tornou-se um importante centro educativo, mais reconhecido e valorizado. Para muitos professores que vivenciaram o processo, foi, sem margem para dúvida, uma enorme descoberta. Muitos foram os que entraram desconfiados e com grandes reservas face às suas potencialidades e que, passado algum tempo de contacto com os adultos e a partir do trabalho que com eles realizavam, mudaram de opinião, aderiram ao processo, investiram nele, aprenderam diferentes metodologias e estratégias pedagógicas e encontraram um significativo espaço de realização pessoal e profissional. A destruição dos CNO transformou-se, assim, numa enorme perda, não apenas para os adultos, que viram mais uma vez negado o seu direito à educação e à formação, mas também para as escolas e para muitos professores e outros profissionais. Ao mesmo tempo que muitos técnicos ficaram desempregados, muitos professores foram confrontados com ‘horários zero’ e todos viram desbaratada a sua experiência, empenhamento e saberes profissionais. O fim dos CNO veio a dar origem à criação dos Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional. Publicada a portaria que os institui, no dia 28 de março, muito está ainda por definir. No entanto, o que já se sabe augura transformações profundas, e não no melhor sentido. De imediato, uma grande diminuição do número de centros face aos anteriores CNO, o que implica pôr fim a um elemento muito importante para a frequência dos adultos, particularmente os que se encontram em situações de maior vulnerabilidade social – a proximidade das zonas de residência. Neste cenário, é também claro que serão em muitíssimo menor número as escolas públicas em que virão a funcionar, desperdiçando todo o conhecimento que muitas tinham já adquirido. Ao mesmo tempo, em nome de um pretenso “rigor” e “exigência”, os processos de certificação sofrem uma transformação profunda, com a introdução de exames e o afastamento dos professores e outros profissionais que tenham acompanhado os adultos dos respetivos júris, o que traduz uma desconfiança dos professores e da sua ética profissional completamente inaceitável. A existência de exames significa uma rutura completa com as metodologias que vinham sendo desenvolvidas e com a filosofia de trabalho, reconhecida em diversos estudos nacionais e internacionais. A sua imposição obriga a reequacionar todo o trabalho com os adultos, que passará a ser desenvolvido não na base da valorização e reconhecimen- to das suas experiências e saberes, mas da sua preparação para uma prova, orientando-os, como afirma um parecer do Conselho Nacional de Educação, “para a memorização de conteúdos”, o que traduz um enorme retrocesso educativo. Também neste campo, os professores não podem ficar indiferentes ao que se está a passar. A luta pelo direito à Educação e a defesa da Escola Pública implicam a defesa do direito dos adultos a educação de qualidade, que tenha em conta as especificidades das pessoas a que se dirige, bem como a defesa do lugar que, neste âmbito, a Escola Pública não pode deixar de ocupar.
Teresa Medina
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