Que há muito as universidades portuguesas se viraram para o meio onde se inserem, promovendo também desenvolvimento regional, todos sabemos. Que há algum tempo, os institutos politécnicos passaram a conceder o grau de mestre e a fazer investigação em centros reconhecidos pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, também é verdade. Que vivemos numa época que exige racionalização e racionamento e que não pode haver mais escolas do que alunos, também o comum dos mortais sabe. Que o interior de Portugal seria ainda mais desigual, menos competitivo e mais vazio, demograficamente, se não tivesse havido o desenvolvimento do Ensino Politécnico em cada distrito, penso ser inquestionável. Agora, que os institutos politécnicos se queiram transformar todos em “universidades de ciências aplicadas”, renovando a reivindicação que, de há uma década para cá, dá pelo nome de “universidades politécnicas”, parece-me muito pouco razoável para este retângulo de 500x240Km. Os nomes têm valor próprio. Também contam, é verdade, ao contrário do que defendeu recentemente Filomena Mónica. Ser do politécnico não é ser da universidade; o nome cria a primeira realidade e identidade – um estudante do politécnico não é um estudante universitário, por muito que a muitos custe. Num tempo de fusões, integrações, redes e racionalização económica, muitos politécnicos deveriam pensar em unir-se com outros, ou mesmo com universidades, a exemplo do que fez recentemente a Universidade Técnica de Lisboa – única do país com essa perversa e desnecessária adjetivação – com a Universidade Clássica. Portugal não poderá vir a ter, nunca, dez universidades mais uma dúzia de “universidades de ciências aplicadas”, para pensar apenas no ensino público. Seria incomportável e irracional. De resto, a Universidade, só pelo nome (universal), deve representar quer os saberes mais teóricos, quer os mais aplicáveis. O adjetivo, “ciências aplicadas”, por si só, apenas introduziria mais desigualdade. A designação não alteraria nada. É uma reivindicação antiga, assente, sempre, no assumir da desigualdade como especialidade. Coragem e bom senso seria querer ser universidade, tout court, o que daria muito trabalho e precisaria de muitas outras práticas e trabalho conjunto, ao invés de cada distrito se pensar como ilha; universidade que teria/terá, sempre, o ensino e a investigação mais aplicados e os mais fundamentados dos conhecimentos. O Ensino Politécnico poderia/deveria integrar as universidades, como acontece já com as do Algarve e de Aveiro, com fusões e ou reorganizações. Querer esse nome de “universidade de ciências aplicadas” é querer ser universidade sem trabalho para tal. Seria/será, contudo, o que vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, neste Portugal do faz-de-conta. Mas, estou em querer, a clivagem e a discriminação aumentarão. Essas universidades, apelidadas de “aplicadas”, serão sempre as que não são como as outras, que são diferentes (mas desiguais). Uma identidade que será sempre reconhecida pela negativa – o adjetivo significará sempre a negação da plenitude universitária. Quando for “universidade de ciências aplicadas”, o Ensino Politécnico também vai querer, depois, legitimar “doutoramentos profissionais” ou coisa parecida, quem sabe, com equivalência direta dos especialistas que tem vindo a criar recentemente. Tenham dó! Ou se é universidade com direitos e deveres iguais ou não se é. Portugal, país rico de tanta coisa, essencialmente de faz-de-conta, continua a não reorganizar o Ensino Superior e a não obrigar ao pensamento coletivo sempre que, por vontade própria, as instituições não o fazem. Entretanto, ao contrário, nos ensinos Básico e Secundário, os agrupamentos escolares proliferaram e passaram por cima de ‘toda a folha’, e sob a alçada do mesmo ministério. Nesta matéria, como em muitas, infelizmente, tem ganho o faz-de-conta, ao invés da avaliação séria de quem somos e do que queremos ser, sustentados, claro, em direitos e deveres iguais para todo o Ensino Superior.
Ricardo Vieira
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