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Desfazendo o fetiche da mobilidade

Dizem-nos que a mobilidade de estudantes e investigadores desempenha um papel crucial em todas as dimensões da sociedade global. No entanto, os resultados da investigação tendem a ser mistos relativamente aos seus efeitos.

Os esquemas de mobilidade estão aí em força e todos os sinais indicam que esta obsessão com o ‘movimento’ de alunos e professores para diferentes países e locais veio para ficar. Agora as universidades comercializam os seus programas com promessas de mobilidade dos estudantes, enquanto os diretores e líderes académicos procuram formas imaginativas para assinalar o cumprimento das metas de mobilidade de estudantes como parte dos seus principais indicadores de desempenho.
Organizações regionais, como o Mercosul, na América Latina, e a ASEAN, do Sudeste Asiático, têm regularmente programas de mobilidade de estudantes nas suas agendas de reuniões, enquanto a Comissão Europeia – maior promotor de programas de mobilidade de estudantes entre universidades europeias desde o final da década de 1980 – redefine as suas ambições.
O programa “Erasmus para Todos”, um pilar fundamental da estratégia Europa 2020, pretende atingir os 20% de mobilidade de estudantes e académicos em 2020. O orçamento? Uns espantosos 19 biliões de euros! A mobilidade transformou-se numa “viragem” em sociologia, gerou novas revistas, reforçou carreiras, tanto estagnadas como novas, e tornou-se numa grande indústria do conhecimento em si e sobre si mesma. Estará a mobilidade a ser fetichizada? Se assim for, porquê, como e o que é que está em jogo?
Com uma Europa sem dinheiro, diminuindo as contribuições estatais para os setores do Ensino Superior e as universidades pressionadas para serem criativas na captação de recursos, esperar-se-ia ver vigorosas evidências, não só de que a mobilidade importa, mas que importa muito para a competitividade económica e para a sociedade de bem-estar social.
Os resultados da investigação tendem a ser algo mistos no que diz respeito aos efeitos da mobilidade dos estudantes, e não há nenhuma evidência convincente de que esta conduza à competitividade económica. No entanto, é-nos dito com grande confiança e autoridade que a mobilidade de estudantes e investigadores é um motor fundamental da inovação e da criatividade, que a mobilidade vai levar a confrontos culturais produtivos, que, por sua vez, conduzirão à diversificação de pontos de vista e que desempenha um papel crucial em todas as dimensões da sociedade global.
Ilustrativo disto é o caso de um relatório recente – International Curricula and Student Mobility, de Bart de Moor e Piet Henderikx – encomendado pela League of European Research Universities (LERU). Não faz as perguntas difíceis que seriam de esperar num estudo deste tipo (qual é a evidência de que a mobilidade faz a diferença, para quem e como?), nem levanta questões mais fundamentais sobre o que é que o aumento dos níveis de mobilidade significa para a sustentabilidade do planeta, nem dá conta de preocupações culturais importantes, como o idioma de instrução e a colaboração em investigação.
O que me leva a levantar estas questões não é a oposição à mobilidade. Pelo contrário, trata-se de destacar o aspeto importante de que a mobilidade, per se, não produz criatividade, não gera inovação, nem conduz a maior competitividade económica, ou mesmo a uma maior tolerância cultural. Vale a pena, portanto, ponderar quais são as questões mais profundas que estão em causa, o que é que as evidências nos dizem e o que já sabemos das nossas próprias experiências em projetos com uma componente de mobilidade.
A investigação sobre o Programa Erasmus sugere que quando não se é suficientemente fluente na língua de instrução, isso torna-se uma barreira para a participação do estudante, que pode levar ao seu isolamento e ao endurecimento de intolerâncias, e não ao seu contrário.
Tendo trabalhado em várias equipas de investigação com mobilidade ao longo da última década, tornei-me muito consciente da necessidade de compreender os desafios, de ter ambições mais modestas em torno da mobilidade e das suas potencialidades e de compreender que a mobilidade gera novos atritos que precisam ser geridos e refletidos em ajustamentos às metas dos programas.
Os programas de mobilidade que estão em sintonia com o desenvolvimento de competências linguísticas e culturais precisam de tempo para construir a confiança sobre a aquisição e uso da linguagem. No entanto, as metas de through put institucionais, como completar um grau avançado num período de tempo especificado, tendem a ser cegas perante as complexidades deste aspeto da mobilidade.
Da mesma forma, os programas de investigação com componentes de mobilidade tendem a não tomar consciência do tempo necessário para aprender como é que funcionam as diferentes tradições do trabalho científico, e a melhor forma de “ter tempo” para aprender essas tradições de modo a beneficiar a compreensão e criação de conhecimento no longo prazo. O paradoxo, aqui, é que a mobilidade destina-se a acelerar a mudança, mas, no entanto, exige momentos significativos de desaceleração.
E a questão dos que pretendem ser móveis confrontados com os recursos das suas famílias para que isso seja possível? Os programas de empréstimos a estudantes podem ser valiosos, mas para muitas famílias que enfrentam os aumentos crescentes das taxas universitárias, pagar mais um empréstimo pode ser um desincentivo significativo. E se a mobilidade é fortemente desejada nos curriculum vitae e nas rotas promocionais, como vemos na Suíça, isso é uma enorme desvantagem para aqueles que têm responsabilidades familiares e domésticas, que são inerentemente inamovíveis.
E a questão dos interesses políticos e da sua participação neste domínio? Certamente que significa ver a mobilidade como um projeto de reterritorialização e um conjunto de processos; um compromisso de esbatimento das identidades nacionais e locais e a construção de um novo espaço, de sensibilidade e identidade supranacionais, como os do cidadão latino-americano ou europeu. No passado, a Educação foi utilizada para os projetos de construção nacional. Acontece que, agora, estes passam a ser regionais e geridos através da mobilidade e do Ensino Superior.
Finalmente, o que dizer da verdade inconveniente de que o aumento dos objetivos da mobilidade é problemático face às agendas de sustentabilidade e à esperança de que as universidades abraçarão ambições “verdes”? Como será a mobilidade neste tipo de futuro?
E como poderemos lá chegar? E como poderiam ser as políticas e programas de mobilidade se enfrentássemos este desafio? Este tipo de perguntas só pode gerar o pensamento criativo e a inovação a que as políticas de mobilidade tanto aspiram.

Susan L. Robertson


  
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