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Boas práticas e práticas que ‘resultam’

A atenção está muito mais centrada na questão da transferibilidade das práticas identificadas como ‘boas’ do que na questão das ‘boas práticas’ propriamente ditas.

O conceito de ‘boas práticas’ tem vindo a ter uma crescente presença nos discursos políticos e de gestão nas mais diversas áreas, desde a Medicina até à Educação, passando, com grande ênfase, pelo mundo das empresas. Organizações como a OCDE, a União Europeia, o Banco Mundial e a UNESCO, para só mencionar estas, usam-no como instrumento político de soft law para governar e gerir através da ‘liberdade’... A que ele tem implícita e a dos países, instituições e atores envolvidos em o mobilizar, ou não. Enquanto processo de disseminação de estruturas, normas e padrões de cursos de ação identificados como bem sucedidos – e que ‘funcionam’ –, surge como uma espécie de ‘lugar branco’, isto é, como um dispositivo meramente técnico, sem aparente espessura epistemológica e educativa.
Todavia, é importante olhar para essa espessura, no sentido de identificar os problemas e os dilemas que as ‘boas práticas’ envolvem, enquanto instrumento político, sobretudo no campo da Educação.

Genealogia das ‘boas práticas’
A literatura na área sublinha que o conceito de ‘boas práticas’, como instrumento político e de gestão, tem origem em três lógicas discursivas: 1) os juízos de especialistas baseados em evidências; 2) a pesquisa e identificação do fator de sucesso; 3) o benchmarking.
A primeira é característica do campo da Medicina. As organizações médicas contratam especialistas que avaliam ‘evidências empíricas’ e identificam as boas/melhores práticas e recomendam-nas aos hospitais e aos médicos. A segunda, da área da Gestão, procura responder aos anseios de melhoria do desempenho individual e organizacional. A terceira advém também do mesmo campo – o benchmarking tem como objetivo identificar ações de melhoria, analisar o modo como outras organizações atingiram altos níveis de performance e utilizar a informação resultante desse exercício para melhorar os desempenhos.
O que é interessante relevar é que, também segundo a literatura (e.g. Benjamin Wellstein e Alfred Kieser), a identificação das melhores versões das práticas é problemática e longe de ser clara, mesmo no campo das práticas médicas. Da mesma forma, na pesquisa do fator de sucesso e no benchmarking não é possível delimitar, com precisão, as práticas específicas que expliquem os resultados de ‘bons desempenhos’.

Transferência das práticas que resultam
O conceito de ‘boas práticas’ tem vindo a circular como se, ele próprio, fosse, por um lado, não problemático e, por outro, como se não conservasse as suas genealogias quando mobilizado pela política.
As ‘boas práticas’ no campo da Educação são apresentadas como uma forma de melhorar os resultados das instituições e dos sistemas. Por exemplo, o Centre for Educational Research and Innovation (CERI), da OCDE, tem uma publicação chamada What Works, com o “objetivo de explicar ‘o que é que funciona’, como e em que circunstâncias, e sugerir direções para a política apoiar a inovação e melhoria educacional”. Também a iniciativa Systems Approach for Better Education Results (SABER), do Banco Mundial, pretende apoiar as decisões, fundadas em evidências de avaliação da qualidade de políticas nos países envolvidos, com vista a melhorar os resultados.
Parece, assim, que a atenção está muito mais centrada na questão da transferibilidade das práticas identificadas como ‘boas’, do que na questão das ‘boas práticas’ propriamente ditas.
No site da Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC), sobre o significado de benchmarking, diz-se que, aplicado às escolas, “consiste na pesquisa das melhores práticas utilizadas nos processos escolares e de ensino, com especial ênfase naquelas cujo impacto, no desempenho, permite melhorar os resultados dos alunos e a satisfação das suas famílias”. Embora sublinhe também a necessidade de “uma análise cuidada das diversas formas de trabalho adoptadas e de diferentes modelos organizacionais instituídos”, e que deve ter “como pano de fundo a adequação da solução a uma nova realidade”, a ênfase parece ser igualmente colocada na transferibilidade das práticas, em detrimento da identificação das características das práticas rastreadas como boas e do peso do respetivo contexto nesse processo.

Contexto das ‘boas práticas’
Sobretudo no campo da Educação, as ‘boas práticas’, e aquilo que ‘funciona’, são amplamente dependentes dos contextos, questão que a ênfase na possibilidade técnica de transferência e replicabilidade parece não dar a devida atenção. A prática identificada como boa num dado contexto nacional ou institucional pode ser pensada como um instrumento político da sua disseminação, mas pode não se traduzir imediatamente nos resultados educacionais visados, precisamente pelo peso das variáveis do contexto.
As ‘boas práticas’ surgem, portanto, como instrumento de gestão política dos sistemas e das instituições educativas e aqui pretende-se chamar a atenção para os lugares de onde ele dimana e para a necessidade de, no afã de disseminação de práticas que ‘resultam’, não se esquecerem os fatores contextuais que as identificam, precisamente, como boas.

António M. Magalhães


  
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