A partida de portugueses qualificados aumentou significativamente na última década e projetos de emigração temporária têm dado lugar a planos de longo prazo – a perceção de prolongamento da crise está associada a esta mudança.
Uma das questões que hoje nos confronta como país é a da emigração e do seu reativar em força a partir da crise de 2008. Nunca deixamos de ser uma sociedade de emigração, pois mesmo na viragem do século XX para o XXI, quando o saldo migratório foi positivo (tínhamos mais imigrantes do que emigrantes), mantínhamos níveis de saída de 20 a 30 mil pessoas. Tive o privilégio de participar no projeto de investigação BRADRAMO, apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenado por Rui Gomes (CES-UC) e envolvendo investigadores das universidades de Coimbra, Porto e Lisboa e um conjunto alargado de centros de investigação (Instituto de Sociologia, Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Centro de Investigação do Desporto e da Actividade Física, Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação). O projeto teve como objetivo caraterizar a emigração qualificada portuguesa, compreendendo as suas causas e projetando eventuais consequências para o país. Os resultados são expressivos, particularmente os que derivam da componente quantitativa: um inquérito por questionário on-line a uma amostra, intencional e não aleatória, composta por 1.011 portugueses detentores de um diploma do Ensino Superior (ou que desempenhassem ou tivessem desempenhado funções profissionais compatíveis com essa habilitação) que estivessem a trabalhar ou a residir noutro país europeu, ou que o tivessem feito nos seis anos anteriores. Assim, verificámos que a emigração de portugueses qualificados aumentou significativamente ao longo da última década, registando uma taxa de crescimento de 87,5% entre 2001 e 2011, de acordo com o Observatório da Emigração. Atualmente, estima-se que 11% de todos os emigrantes possuem um diploma de Ensino Superior. Cerca de 4/5 dos indivíduos que compõem a amostra deste estudo saíram do país após 2008, ano em que o número de emigrantes ultrapassou os 20.000, contra perto de 8.000 em 2007. Os emigrantes qualificados são maioritariamente jovens (89,6% dos inquiridos) e detentores de cursos de pós-graduação (74,5%). Estes dados confirmam que a emigração tem acentuado a saída de jovens com qualificações muito elevadas e especializadas.
País perde recursos. Perto de um terço da amostra é composto por pessoas com formação em Ciências, Matemáticas e Informática, seguindo-se a área das Ciências Sociais, Comércio e Direito e a das Engenharias, Indústria Transformadora e Construção, ambas com valores que rondam os 19,5%. A maior parte dos inquiridos encontra-se hoje a viver em vários países europeus centrais, com destaque para o Reino Unido, mas deve ser referido que 14,4% regressaram entretanto a Portugal. Saliente-se, ainda, que a emigração tem efeitos claros no emprego: se 36,1% dos indivíduos estavam desempregados em Portugal, apenas 3,8% se encontram nessa condição no país de destino. Por outro lado, a emigração está também associada a um aumento expressivo dos rendimentos: mais de 70% dos inquiridos recebiam, em Portugal, um salário inferior a 1.000 euros, enquanto mais de metade dosindivíduos aufere um montante superior a 2.000 euros no país de destino. Finalmente, importa referir que um dos aspetos que pode determinar a perda de capital humano no país de origem é a duração do período de emigração. A maior parte dos inquiridos (quase 60%), quando confrontados com as expetativas face ao futuro, pensa ficar definitivamente no país de acolhimento. Ora, a maioria refere que a mobilidade foi inicialmente projetada como solução transitória, mas a experiência entretanto vivida mudou os planos para uma perspetiva de emigração de longo prazo. A perceção de uma crise prolongada está associada à decisão de ficar mais anos a trabalhar fora de Portugal. Na verdade, os projetos de emigração temporária deram origem a planos de emigração de longo prazo. As oportunidades encontradas, juntamente com a sensação de não conseguir o mesmo em Portugal, são as razões mais frequentemente mencionadas para esta mudança. Só razões familiares graves têm o potencial de interromper as opções atuais de mobilidade. Os fatores tidos como cruciais na decisão de emigrar acentuaram-se com a crise económica, a desvalorização salarial e das competências, a falta de oportunidades de carreira e o desemprego.
João Teixeira Lopes
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